Edição Atual

  

Revista Sísifo – Feira de Santana – (2014-)

nº 17, Vol. 2, Julho/Dezembro 2023

Filosofia – Periódicos

ISSN: 2359-3121




Revista Sísifo. Nº 17, Vol. 2, Julho-Dezembro 2023 

Dossiê: A Filosofia em Jogo e o Jogo da Filosofia (Volume 2)



Apresentação


É com imenso prazer que oferecemos aos leitores da Revista Sísifo o segundo volume do Dossiê "A Filosofia em Jogo e o Jogo da Filosofia". Neste volume, continuando a proposta do primeiro de levar a sério o jogo como objeto de estudo filosófico, contamos com uma série de contribuições que nos convidam a pensar o lugar do jogo como objeto de estudo filosófico que nos fornece uma via única e extremamente rica para a compreensão da cultura, da sociedade, e, enquanto conceito, da própria filosofia de determinados autores. Nesse sentido, nada mais apropriado do que o começo de nosso dossiê por meio do artigo Contra uma cultura estanque: o jogo como diversidade, de Danilo Silvestre, onde o autor, por meio da discussão das reflexões de Huizinga e Bateson sobre a relação entre jogo, cultura e linguagem, busca mostrar como o jogo pode ser entendido não apenas como uma fonte produtora de cultura, mas também de diversidade, desempenhando um papel fundamental para que culturas e sociedades não se tornem estanques. 

De fato, a reflexão de Silvestre parece ser perfeitamente complementar à contribuição ao nosso dossiê de Alan Isaac Mendes Caballero, que, em seu artigo Os deslocamentos conceituais de jogo em Byung-Chul Han, mostra mostra como o conceito de "jogo" desempenha um papel importante no pensamento de Han sobre nossa sociedade hoje, e sobre como o próprio processo em que ela se tornou, poderíamos, dizer, estanque em seu modo de reprodução, se deve a um aparelhamento do jogo, à sua "gamificação", que o submete à lógica do trabalho e da produtividade. Diante disso, Caballero aponta o esforço do filósofo em resgatar o jogo "forte", não gamificado, aquele que é capaz de instituir efetivamente uma cultura e um senso de coletivo precisamente por não se submeter à economia do trabalho e da produção, fornecendo um propósito comum que forneceria a coesão necessária para a sociedade que a lógica individualista e economicista do neoliberalismo é incapaz de fornecer. Neste sentido, o artigo de Caballero, em seu diálogo com o de Silvestre, nos mostra a íntima conexão entre jogo e cultura, mostrando como, para Han, a crise da nossa sociedade contemporânea é inseparável de uma certa crise do jogo ou do lugar do jogo em nossa sociedade.

Diante dessa reflexão, porém, é importante notar como mesmo no mundo digital, tão duramente criticado por Han, abundam exemplos de jogos que permitem experiências estéticas de profundo significado e, mais do que isso, poderíamos dizer, que dialogam com a perspectiva não apenas de Han, mas de outros filósofos, como Michel Foucault, sobre por quais caminhos poderíamos nos abrir a outras experiências possíveis do mundo e de nós mesmos. Nesse sentido, o artigo de Duanne de Oliveira Ribeiro, Memento game over: a ética e a estética de uma morte lúdica, nos fornece uma história do tratamento da morte nos games e propõe, de maneira bastante instigante, pensar esses jogos como uma forma de meditação estoica sobre a morte. 

Em espírito semelhante ao de Ribeiro, o ensaio de Gabriel Ferri Bichir, O Horror Elevado ao Conceito nos mostra, ao discutir os jogos Pathologic 2 Doki Doki Literature Club, como determinados jogos podem nos fornecem uma experiência estética singular, subvertendo as convenções do seu gênero ao quebrar a ilusão da neutralidade e da exterioridade do jogador em relação ao que acontece no mundo do jogo, de modo que faz o jogador não apenas questionar a agência que efetivamente têm, mas a sua própria busca por se colocar na posição de protagonista. Assim, abre-se ao jogador a possibilidade de experimentar o jogo e sua posição no jogo de uma outra perspectiva, que, no caso de Pathologic 2, abre, por meio da catástrofe levada às últimas consequências, à experiência de  afetos verdadeiramente humanos, e, no caso de Doki Doki Literature Club, possibilita a relação mimética de amor, de querer misturar-se a seu objeto sem destrui-lo. Em ambos os casos, por meio de jogos digitais, abre-se uma via de crítica à forma que nossas sociedades e vidas tomaram sob o jugo da lógica capitalista, e um horizonte para uma outra experiência do mundo e de si.

Na sequência, o artigo de Diana Khamis, On The Virtues of Minimalist Narration, em certa linha de continuidade com o artigo que abre o dossiê, de Silvestre, mostra como o jogo Demon Souls constrói a sua narrativa de modo minimalista e, sobretudo, por meio dos elementos presentes nos ambientes do jogo. Seguindo no princípio de "mostrar em vez de falar", "show, don't tell", o jogo convida o jogador a reconstituir a história do mundo do jogo a partir dos diversos elementos espalhados em seus diferentes ambientes, construindo assim a sua narrativa de um modo não-linear que só é possibilitado por tal narrativa ser apresentada no formato de um jogo eletrônico e usando as ferramentas próprias a esse forma de jogo enquanto linguagem. 

Se o artigo de Khamis nos faz pensar sobre as potencialidades dos jogos eletrônicos como uma linguagem única por meio da qual se possa comunicar narrativas, o artigo de Jociel Nunes Pereira Vieira, Gamificação na Educação – A Interpretação das possibilidades através do Método Semiótico Peirceano, nos convida a pensar o papel que tal linguagem poderia ter na educação, ao analisar, por meio da semiótica peirceana, de que modo as técnicas de gamificação poderiam ser capazes de produzir sentido, significação e interpretação que possam ser compreendidos no interior da relação mente-mundo e, desse modo, produzir um aprendizado efetivo, imbricado na prática cotidiana. 

O nosso dossiê encerra, mais uma vez, com uma entrevista com Nicolás Martínez Sáez, professor de Filosofia da Universidad Nacional de la Plata que estuda os jogos na Idade Média e que também desenvolveu um jogo próprio de tabuleiro, chamado "¿Quién quiere serpresidente?". Na entrevista com Sáez, habilmente conduzida por Camila Ezídio, vemos não apenas que jogos, na Idade Média, não eram ocupação de crianças, mas, pelo contrário, de adultos e todas as classes sociais, como também o papel que esses jogos tinham de fornecer uma subversão da ordem vigente (o que não deixa de nos lembrar, novamente, do artigo de Silvestre). Para além disso, Sáez apresenta as diferentes posturas adotadas em relação ao jogo na Idade Média, mais especificamente uma atitude anti-lúdica, que vê o jogo como pecado e vício, e uma abordagem, alinhada a Tomás de Aquino e sua retomada da virtude aristotélica da eutrapelia, que pensa ser possível o jogo como uma atividade virtuosa. Sáez também fala sobre o jogo que ele mesmo desenvolveu com sua parceira Patricia, "¿Quién quiere ser presidente?", e do aprendizado que a própria experiência de desenvolver um jogo lhe propiciou. Por fim, pensando sobre o papel que jogos podem ter no aprendizado, Saéz conclui com as palavras que melhor poderiam sintetizar o espírito desse dossiê, no que o motiva a propor o estudo filosófico a sério dos jogos: "Si los juegos son educativos lo son principalmente porque a través de ellos, como ha dicho Oriol Comas i Coma, aprendemos, descubrimos, escuchamos, imaginamos, explicamos, colaboramos, entendemos, decidimos, pensamos, negociamos, arriesgamos, seducimos, mentimos, comunicamos y nos divertimos. ¿En alguna otra actividad humana encontramos todo esto junto?"

Complementando o dossiê que compõe a parte majoritária desta edição, contamos, ainda, na seção de artigos, com a preciosa contribuição de Jorge Aurênio Ribeiro Júnior, O Contrato Social em John Rawls: Teoria e Prática, em que, poderíamos dizer, de maneira provocativa (e, por que não, lúdica?), o autor busca apresentar o modo com que Rawls pensa o jogo do contrato social, em sua teoria e prática, e as limitações que o contrato social, elaborado sobre as bases teóricas do liberalismo político de Rawls, teria ou deixaria de ter na sua aplicação às mais diversas sociedades. 

Por fim, e fechando a nossa edição com chave de ouro, contamos com a primorosa tradução, por Paulo Jonas de Lima Piva, do verbete de Dumarsais para o termo "Filósofo". No espírito de nosso dossiê, gostaríamos de convidar à leitura desse verbete acompanhada do questionamento sobre o quanto a figura do filósofo aí desenhada se aproximaria ou não da figura do "jogador", não apenas por "inverter os limites sagrados colocados pela religião" (p. 182), do mesmo modo que o jogador subverte o uso habitual que se confere aos signos de que nos valemos em nosso uso cotidiano da linguagem, como também, quem sabe, por meio da própria eutrapelia aristotélica. Afinal, o filósofo, tanto quanto o jogador, ao menos segundo a concepção de Dumarsais, não pode ser desprovido do "amor à sociedade" (p. 187) e, portanto, da sociabilidade promovida pelo jogo, tão inseparável da cultura, da linguagem, e, como afirmado por Saéz, do conjunto de atividades mais propriamente humanas, o que só avizinha ainda mais o jogador do filósofo de Dumarsais, "pleno de humanidade" (p. 185).

Diante dessa apresentação, só nos resta concluir desejando ao leitor, portanto, que divirta-se com a leitura desta edição!

Lucas Nascimento Machado
Editor da Revista e Organizador do Dossiê


Dossiê "A Filosofia em Jogo e o Jogo da Filosofia", Vol. 2


Contra uma cultura estanque: o jogo como diversidade

Danilo Silvestre

visualizar | PDF 1-29



Os deslocamentos conceituais de jogo em Byung-Chul Han

Alan Isaac Mendes Caballero

visualizar | PDF 30-60



Memento game over: a ética e a estética de uma morte lúdica

Duanne de Oliveira Ribeiro

visualizar | PDF 61-86



O horror elevado ao conceito

Gabriel Ferri Bichir

visualizar | PDF 87-106



On the Virtues of Minimalist Narration

Diana Khamis

visualizar | PDF 107-123



Gamificação na Educação – A Interpretação das possibilidades através do Método Semiótico Peirceano

Jociel Nunes Pereira Vieira

visualizar | PDF 124-146


El tablero de la política: el juego "¿Quién quiere ser presidente?" - Entrevista com Nicolás Martínez Sáez

Nicolás Martínez Sáez

Camilia Ezídio

visualizar | PDF 147-155


Artigos


O Contrato Social em John Rawls: Teoria e Prática

Jorge Aurênio Ribeiro Júnior

visualizar | PDF 156-181


Traduções


"Filósofo", de Dumarsais

Paulo Jonas de Lima Piva 

visualizar | PDF 182-189