Palavras: as Investigações Filosóficas de Ludwig Wittgenstein


Arturo Fatturi*


1.

As Investigações filosóficas de Ludwig Wittgenstein constituem uma obra filosófica sui generis, capaz de nos deixar perplexos após uma primeira leitura. Ao lermos pela primeira vez o texto notamos que as palavras são facilmente acessíveis, isto é, a obra não apresenta um vocabulário técnico ao estilo de Edmund Husserl ou de muitos filósofos da tradição analítica na filosofia. Antes nos deparamos com uma linguagem ordinária, comum. Ao mesmo tempo, Wittgenstein nos fornece exemplos para ilustrar seus argumentos e estes exemplos são considerações sobre situações triviais, tais como estudantes a quem se ensina calcular, a derivar retas, curvas, a derivar caminhos a partir de esquemas simples contendo apenas letras e setas (§2, §143, §185), diferentes tipos de jogos. O texto é repleto de exemplos e um mesmo exemplo se repete várias vezes sob diferente foco de atenção (§2 e §185). Ao mesmo tempo, não temos um texto corrido, por assim dizer, com divisões por capítulos. Antes o livro todo é composto por seções, as quais são numeradas e cada seção é composta por parágrafos não muito longos.

Considerando que as Investigações Filosóficas é obra de autoria de um dos maiores filósofos do século XX, retomamos o texto para uma segunda leitura. E é neste momento que nossa sensibilidade filosófica percebe a complexidade argumentativa elaborada por Wittgenstein: as seções não parecem ter uma conexão imediata (por exemplo: a seção 142 com a seção 143, §242 com §243), o foco diferenciado sobre os mesmos exemplos nos faz perder a atenção quanto à intenção do autor, temos de retomar várias vezes a leitura para compreender qual o objetivo da retomada de um mesmo exemplo (o caso dos pedreiros da seção 2 ou do aluno da seção 143). Há uma rede argumentativa muito tênue, mas que se pode perceber através da mudança abrupta de temas (por exemplo, a mudança da seção 242 para 243). Além disto, Wittgenstein construiu um texto em que nos apresenta mais de uma voz: a de Wittgenstein e a de seu interlocutor o qual o questiona incansavelmente. Estas diferentes vozes estão entremeadas de tal forma, com tanta vivacidade, rapidez e criatividade literária, que somos levados a atribuir a Wittgenstein questões e ideias que, muitas vezes, são de seu interlocutor. Os argumentos explorados por Wittgenstein normalmente são levados por ele ao extremo, até que o absurdo de cada um deles fique patente (nota 1). Por fim, este diálogo entre Wittgenstein e seu interlocutor transformam o texto das Investigações Filosóficas quase que em uma confissão (as palavras de Wittgenstein quanto ao TLP, por exemplo).

Ao fim de nossas primeiras explorações do texto, percebemos que há uma série de expressões (palavras) que aparecem recursivamente. Por exemplo, jogos de linguagem, uso, regras, jogos, a linguagem como um jogo de xadrez, cálculo, entre outros. Ao tentarmos reconstruir os argumentos explorados no texto, se torna tentador repetir as mesmas palavras de Wittgenstein, uma vez que não encontramos paralelos a elas nos conceitos filosóficos até então conhecidos. Disto surge o que muitos denominam por “jargão wittgensteiniano”. Muitos leitores são tentados a usar certas expressões de Wittgenstein para outros campos, por exemplo: denominar a arte ou a religião como um jogo de linguagem, e com isto, atribuir à expressão um uso que ela não tem. A obra, contudo, apesar de sua complexidade, é cativante, intrigante.

Se retomarmos a leitura do prefácio escrito por Wittgenstein, a fim de nos informarmos de suas intenções, ele nos diz que o texto que nos apresenta é mais um conjunto de anotações filosóficas, um álbum, como uma coleção de fotos de diferentes aspectos de um e do mesmo panorama (nota 2). Wittgenstein considera sua obra um texto inacabado, onde as seções não se ligam de forma imediata e com o qual ele está insatisfeito (nota 3). Além disto, Wittgenstein nos solicita que consideremos este texto em comparação com sua primeira obra o Tractatus Logico Philosophicus.

As Investigações Filosóficas, em sua singularidade filosófica e em sua construção literária complexa (afinal é um diálogo, quase uma obra confessional no estilo de Santo Agostinho) completa neste ano de 2015, 62 anos de publicação. E nestes 62 anos ainda é objeto de intensa pesquisa, mesmo que os estudos wittgensteinianos tenham diminuído expressivamente (conforme explica Peter Hacker (nota 4) em Wittgenstein Place in the Twenthieth-Century Analytical Philosophy, Blackwell, 1996) e que muitos dos conselhos dados por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas tenham sido sistematicamente postos de lado.

Esta dificuldade em situar as Investigações Filosóficas na tradição filosófica não é incomum e o próprio Wittgenstein tinha consciência de que sua maneira de fazer filosofia não pertencia a uma tradição específica. Isto, por sinal, foi motivo de investigação. Por exemplo, alguns filósofos tomaram como foco de pesquisa o estado da cultura Vienense nos inícios do século 20 como forma de compreender as possíveis influências que a Viena do fim do século exerceu sob a filosofia de Wittgenstein (nota 5). Entretanto, por muito interessante e esclarecedora que tal investigação histórico/cultural possa ser, ela nos ajuda a compreender um pouco a personalidade de Wittgenstein, mas não se deve correr o risco de transpor as influências culturais para uma tentativa de explicação da elaboração filosófica. Além disto, Wittgenstein abandona Viena logo após a sua desmobilização do exército austríaco e após exercer o cargo de alfabetizador nas cidades localizadas nos Alpes austríacos, ele se muda definitivamente para a Inglaterra, Universidade de Cambridge. A certa altura do início dos enfrentamentos na Segunda Grande Guerra ele é aceito como cidadão da Inglaterra. Ou seja, a cultura Vienense que influenciou o autor do Tractatus, não teve o mesmo impacto sobre o filósofo que preparou para publicação as Investigações Filosóficas.

2.

Bem, a biografia de Wittgenstein é outra área de investigação e, por vezes, a biografia explica certas atitudes que ele manteve para com sua filosofia (nota 6). Por exemplo, sua crença de que ninguém entenderia o Tractatus e que, portanto, seria obrigatório ler o texto para os interessados. Seu pessimismo quanto à influência nefasta que a ideia de progresso exercia na Cultura, pode ser vista em suas palavras no prefácio das Investigações Filosóficas onde afirma ser aquele, um tempo de trevas. Estas trevas, também eram causadas por uma espécie de fascinação que o pensamento científico exercia sobre os filósofos, mas principalmente a fascinação com os resultados das ciências positivas, com o método pelo qual estas atingiam resultados e demonstravam suas descobertas. No Blue Book and Brown Books ele diagnostica uma das fontes permanentes de mistificações e enganos entre os filósofos, qual seja: buscar empregar na filosofia, métodos e critérios que apenas são aplicáveis nas ciências. Isto, contudo, não implica que Wittgenstein fosse um pensador contrário à ciência. Afinal, ele trabalhou como auxiliar de um laboratório de psiquiatria na universidade de Newcastle, como enfermeiro e auxiliar de laboratório. Era tarefa de Wittgenstein a preparação de certos remédios e distribuição dos mesmos entre os soldados afetados psiquicamente pela guerra, bem como a elaboração de relatórios descritivos dos avanços da medicação sobre as sequelas dos ferimentos nos ex-combatentes. Este ponto nos aproxima da temática das Investigações Filosóficas.

Podemos distinguir alguns temas aos quais Wittgenstein fornece atenção constante durante sua argumentação filosófica (nota 7): (a) um tratamento filosófico da linguagem, a aplicação de sua concepção de linguagem como atividade guiada por regras, o papel do adestramento na compreensão de nossos conceitos (b) discussão dos conceitos de psicologia filosófica tais como “mente”, o papel do comportamento humano e sua relação com o que seja um ser humano. Isto, contudo é uma tentativa de indicar de forma rápida e superficial o que podemos responder a alguém que nos pergunta “mas de que temas trata a obra?”.

Merece ser citada aqui uma obra seminal nos estudos da filosofia de Wittgenstein, me refiro ao comentário detalhado elaborado pelo Prof. Garth Hallett A Companion to Wittgenstein's Philosophical Investigations (nota 8) que contempla, pela primeira vez, as duas partes do texto publicado.

Com a continuidade dos estudos da filosofia de Wittgenstein, outros comentários pertinentes e impertinentes, foram elaborados. Podemos fornecer como exemplo de comentário pertinente o elaborado pelos filósofos Gordon Baker e Peter Hacker em 4 volumes divididos em exegese e comentário. Esta obra tornou-se paradigmática dos estudos da filosofia de Wittgenstein a tal ponto de ser denominada “versão ortodoxa”. Um exemplo de comentário impertinente é o de Saul Kripke no qual se dedica a descrever ao leitor as consequências filosóficas que as Investigações Filosóficas exerceram sobre ele próprio e encontra em Wittgenstein um novo tipo de ceticismo (nota 9 - Ver Saul Kripke, Wittgenstein on Rules and Private Language: An Elementary Exposition, Harvard University Press, Cambridge, Massachusets, 1982.), a saber: “ceticismo semântico”.

Ou seja, considerando a forma como Wittgenstein apresentou sua filosofia de forma nada tradicional, alguns filósofos se permitem retirar do texto conclusões que não são de Wittgenstein e sim do próprio leitor, o qual as atribuí à Wittgenstein. Assim, existe certa controvérsia quanto ao desenvolvimento da filosofia exposta nas Investigações Filosóficas e também quanto aos comentários deste desenvolvimento. Esta controvérsia tem diminuído a partir da publicação de outros escritos preparados por Wittgenstein, os quais nos ajudam a compreender o desenvolvimento de seu pensamento (nota 10).

3.

Bem, apontei aqui, de forma superficial, alguns temas que são tratados no desenvolver da argumentação do texto de Wittgenstein. Gostaria agora de chamar atenção para o seguinte aspecto da filosofia de Wittgenstein, qual seja, sua crítica à maneira como costumamos considerar nossa linguagem, isto é, nossa consideração quanto ao uso significativo de nossa linguagem. É natural considerarmos que nossas afirmações e conceitos apenas possuem significação, ou como vou passar a denominar, uso significativo, se algo lhes corresponder na realidade. Tudo se passa como se a compreensão de nossa linguagem dependesse, num primeiro momento, da relação que estabelecemos com os objetos, isto é, se os conhecemos ou não. Tradicionalmente o caminho para análise da linguagem seria estabelecido, primeiramente através do conhecimento que temos dos objetos, este conhecimento, por sua vez, nos permite referirmo-nos a algo do mundo em nossas afirmações e conceitos, após isto é que se poderia considerar a significação.

Segundo tal raciocínio, compreender uma palavra ou conceito é não apenas saber o que este significa, mas por isto mesmo, a que objeto o mesmo se refere. A análise da linguagem seria o método específico para obter clareza quanto aos conceitos que empregamos e esta clareza seria obtida através de uma definição ostensiva, isto é, através da vinculação do conceito a um objeto ou através de uma definição verbal, a qual ligaria um conceito a uma expressão definitória. Contudo, neste segundo caso somos levados, por assim dizer, de uma palavra a outras palavras e não a objetos. Estas considerações são o motivo que abre a discussão filosófica nas Investigações Filosóficas. Até a seção 90 do texto Wittgenstein discute o caráter da definição ostensiva como uma “regra de definição”, mas uma regra limitada a certas ocasiões a certos empregos.

Tal consideração é o que leva a incluir a filosofia das Investigações Filosóficas no que se denominou por Linguistic Turn (expressão devida à Richard Rorty em sua obra The Linguistic Turn: Essays in Philosophical Method, University Of Chicago Press, Chicago, 1967) isto é, na consideração de que a análise de nossa linguagem é a fonte de solução dos problemas filosóficos. Nisto se inclui a tentativa de construir uma linguagem logicamente adequada, uma linguagem cuja sintaxe seja demonstrada através da análise lógica e que nos mostre como é possível que em nossa linguagem signifiquemos o mundo, que com nossas expressões sejamos capazes de induzir alguém a fazer algo ou não fazer.

Entretanto, considerar a filosofia desta forma é ainda crer que a mesma tem um papel de descoberta, tal como na ciência; que nossa análise da linguagem poderá solucionar problemas que herdamos da tradição filosófica. Isto é, como se a filosofia apresentasse a cada um que dela se aproxima, um conjunto de problemas que deverão ser resolvidos. Por exemplo: como a ética pode ser fundada? Em que consiste o significado de nossas expressões? Como a mente e o corpo interagem, e se, de todo há interação? Como e em que consiste a consciência, intenção, emoção? Entretanto, não é esta a consideração filosófica de Wittgenstein, tal como ele afirma nas Investigações Filosóficas (nota 11 - IF §90)

Nós sentimos como se devêssemos penetrar nos fenômenos. Nossa investigação, contudo, não se dirige aos fenômenos (...) Nós lembramos a nós mesmos os tipos de afirmações que fazemos sobre os fenômenos (...) Nossa investigação é, portanto, gramatical. Uma tal investigação lança luz sob nosso problema ao esclarecer nossas incompreensões. Incompreensões que dizem respeito ao uso de palavras, causados, entre outras coisas, por falsas analogias em diferentes formas de expressão de diferentes regiões da linguagem (nota 12)

E mais adiante,

Estamos sob a ilusão de que o que é peculiar, profundo essencial em nossa investigação reside nesta tentativa de obter a essência incomparável da linguagem. Isto é, a ordem que existe entre os conceitos de proposição, palavra, prova, verdade, experiência e assim por diante. Esta ordem é uma super-ordem entre, por assim dizer, super-conceitos. Enquanto que, de fato, se as palavras “linguagem”, “experiência”, “mundo” possuem algum uso, este deve ser tão humilde quanto as palavras “mesa”, “lâmpada”, “porta” (nota 13 - IF, § 97b).

A consideração de que a definição ostensiva é nossa única forma de ligação entre linguagem e realidade é o que torna estes conceitos tão especiais em nossas considerações, é como se devêssemos captar algo que está por detrás dos mesmos, como se ao considerá-los tivéssemos de captar uma espécie de “entidade”. Contudo, esta é uma exigência que fazemos à linguagem e esta, como diz Wittgenstein, é um “ideal que está instalado definitivamente em nosso pensamento”, voltamos sempre ao mesmo. Tal ideia é como que óculos assentados sobre o nariz e o que vemos, vemos através deles. Não nos ocorre a ideia de tirá-los. Podemos ver este ideal obsessivo nas palavras do interlocutor de Wittgenstein quando este discute o conceito de seguir regras (nota 14 - IF § 185 - § 242); seguir regra deve consistir em algo. As palavras devem ter algo que lhes corresponda: uma intuição, um estado mental, uma imagem mental ou representação ou, mesmo o “querer dizer”.

A concepção de que na linguagem, nossos conceitos devem ter algo que lhes corresponda, sob pena de falta de significação, é oriunda da concepção de que a definição ostensiva é a única forma de definição válida. Se nada corresponde aos nossos conceitos, os mesmos não possuem referência, nem significação. Logo, não se pode indicar o que compreendemos quando compreendemos o que nossos conceitos significam. Contudo, Wittgenstein nos convida, neste ponto, a considerarmos como usamos nossos conceitos, esta é a finalidade dos “jogos de linguagem”, aos quais Wittgenstein denomina “claros” e “simples”, isto é eles são “objetos de comparação que através de semelhanças e dissemelhanças, devem lançar luz sobre as relações de nossa linguagem (nota 15 - IF § 130)”. Isto, por sua vez trará nossa consideração filosófica para a compreensão da linguagem que usamos cotidianamente e não para uma linguagem que “caminha no vazio, quando não trabalha (nota 16 - IF § 132b)”.

Um exemplo marcante destes jogos é apresentado nas primeiras seções das Investigações Filosóficas quando Wittgenstein apresenta o “caso” dos dois pedreiros. Este jogo de linguagem foi construído por Wittgenstein para permitir que a explicação de Sto. Agostinho tenha uso ou “funcione”. Outros casos são elaborados durante o texto das Investigações Filosóficas (nota 17). Contudo, não há tempo e espaço aqui para tratar de todos com algum detalhe.

Um ponto interessante no caso dos jogos de linguagem diz respeito a sua cotidianidade, isto é, ao fato de que Wittgenstein nos fornece exemplos de jogos de linguagem que nos são familiares: contar, derivar desenhos de outros desenhos, seguir setas de sinalização e assim por diante. É sobre um destes jogos de linguagem que gostaria de dedicar o restante do espaço que me foi concedido.

4.

Primeiramente vou contextualizar o jogo de linguagem que pretendo explorar. Na seção 81 das IF, Wittgenstein faz uma autocrítica ao seu projeto anterior, a saber, a concepção de que nossa linguagem funciona segundo um cálculo com regras fixas, mas que, ao mesmo tempo não podemos dizer que quem usa a linguagem deve jogar tal jogo (nota 18). O problema aqui comenta Wittgenstein, é que impomos a nossa linguagem um ideal, a saber: que a mesma deverá funcionar segundo certa lógica, uma lógica ideal a qual se torna uma lógica para o vazio (uma vez que ela não diz respeito ao funcionamento da linguagem na forma que a usamos). Contudo, a lógica não trata da linguagem como uma ciência natural trata de um fenômeno natural. O máximo que podemos dizer é que construímos linguagens ideais.

Com isto, corremos o risco de dizer que estas linguagens são melhores e mais completas que nossa linguagem cotidiana (nota 19). E, consequentemente, um lógico poderia mostrar aos homens que aparência deve ter uma frase correta. Mas, para Wittgenstein toda esta consideração quanto a uma lógica que tornaria nossa linguagem cotidiana mais clara, ou que poderia auxiliar a construir linguagens mais claras e precisas, nada mais é que um ideal que se impõe a nós (nota 20).

Interessante notar que após esta “confissão” Wittgenstein afirma que tudo isto se tornará mais claro (na tradução brasileira de José Carlos Bruni temos a expressão “verdadeira luz” para traduzir a expressão inglesa “right light” empregada por Anscombe para traduzir o alemão “im rechten Licht erscheinen”) quando colocado “sob uma luz correta”. Isto, por sua vez conduzirá à considerações quanto ao que é ser guiado por uma regra, os objetivos da filosofia ao enfrentar tal questão, e culmina na seção 152 quando Wittgenstein estabelece como meta, analisar como devemos considerar nossa atribuição de compreensão a quem se pede que desenvolva uma série numérica segundo uma determinada lei de formação (§143a). Isto é, devemos considerar a compreensão como um processo anímico que ocorre na mente ou espírito de quem compreende? Como a compreensão do que se faz, pode ser descrita neste fazer? Seria a compreensão algo que atribuímos a quem segue uma regra de maneira correta e que, por outro lado, não ocorreria a quem segue a regra de maneira errônea?

Ora, desejamos saber o que é a compreensão, mas não consideramos que a situação de compreensão possa nos trazer alguma clareza ao conceito. O que nos conduz a uma (Ich bin in einem Wirrwarr) confusão (I am in a muddle), pois ao afirmarmos que a compreensão é um processo que se esconde por detrás dos casos de compreensão e que, ao mesmo tempo, este processo está escondido, como saber ao que estamos nos referindo quando dizemos “eu compreendi o desenvolvimento da série” ou “sei seguir a regra, pois a compreendi”?

Ora, a confusão (muddle, wirrwar) consiste em que, por um lado concebemos a compreensão como um processo anímico que ocorre de maneira “invisível” nos casos de compreensão e, por outro, que os casos de compreensão não são demonstrações do que se passa em nós quando compreendemos (nota 21).  Por tal razão, Wittgenstein perguntará (IF § 153) “E se digo que está oculto. Como sei, pois, o que devo procurar?”; e continua (nota 23 - IF § 154(a)) na seção seguinte: “Mas espere! - se agora eu compreendo o sistema não diz o mesmo que ‘a fórmula...me vem ao espírito’ (ou ‘eu pronuncio a fórmula’, ‘eu a anoto’, etc.) segue-se daí que emprego a frase ‘agora eu compreendo...’ ou ‘agora posso continuar’ como descrição de um processo que subsiste atrás ou ao lado do processo de pronunciar a fórmula?”. Como se vê, estamos no que se pode denominar “trevas gramaticais”, pois nem conseguimos identificar o que estamos chamando por “processo de compreensão”. Quanto a isto, diz Wittgenstein (Nota 24):

Não pense, pelo menos uma vez, na compreensão como “processo anímico”! - pois este é o modo de falar que o confunde. Mas pergunte-se: em que espécie de caso, sob que espécies de circunstâncias dizemos, pois, “agora sei continuar”? No sentido em que há processos (também processo anímicos) característicos da compreensão, a compreensão não é um processo anímico.

Considerando que o conceito “compreensão” traz consigo um claro matiz psicológico, Wittgenstein apresenta a consideração de outra palavra a fim de esclarecer a confusão gramatical causada pela imagem de um processo mental concomitante ao “agora sei continuar a série” ou “agora compreendi a palavra”. Ele analisa um conceito que poucos filósofos, se algum antes dele talvez analisaram, a saber, o conceito de “ler”. O interessante nesta consideração é a princípio, a própria palavra escolhida por Wittgenstein. Poucos de nós talvez tenhamos algum problema filosófico com a palavra ler. Um segundo ponto a ser notado é que a palavra “ler” não possui “pedigree” filosófico, por exemplo, compare-se a palavra ler com a palavra “subjetividade” ou “pensamento” que normalmente são consideradas como apresentando sérios problemas para a filosofia. Por outro lado, a palavra “ler” não causa grande impressão filosófica, como comenta Elizabeth Anscombe (nota 25) sobre isto “Que compreender e pensar são tópicos da filosofia, ninguém irá duvidar; mas para que “ler” também o possa ser é necessário que se tenha inclinação (ou disposição) filosófica”.

A consideração quanto ao conceito de ler ocupa nove páginas do texto, talvez doze se considerarmos como seu corolário a investigação sobre o conceito de “ser guiado”. Conforme Wittgenstein (nota 26) o uso da palavra “ler” em nossa vida cotidiana, nas circunstâncias de nossa vida cotidiana é bem conhecido. Contudo, qual o papel que tal conceito desempenha em nossa vida? Como descrevemos o jogo de linguagem no qual usamos esta palavra?

5.

Esta consideração visa mostrar a complexidade que envolve o uso da palavra “ler” no nosso dia a dia e como, nas circunstâncias em que a aplicamos o jogo de linguagem, envolve não apenas o que a pessoa diz, mas também o que ela faz. Se atentarmos para as situações sob as quais dizemos que uma pessoa sabe ler, descreveremos casos comuns: alguém lê em voz alta um trecho de um jornal para nós; pedimos que um aluno leia um trecho de um livro; lemos o que está escrito em outdoors, etc.
Comparemos agora este caso com o de uma pessoa que está começando a ler, esta pessoa está aprendendo a ler. O que ocorre? Ora, a pessoa lê algumas palavras, tenta continuar a leitura e para repentinamente; retesa seu rosto ao prestar atenção nas letras que deve ler; balbucia um ou outro som e assim por diante. Nestes casos costuma-se dizer “ele não compreende o que tem de ler” ou “ela não compreendeu como ler as palavras”. Este caso é exemplar para que imediatamente consideremos que a “compreensão”, de alguma forma, não estava presente naqueles casos de vacilação da leitura. No iniciante, gostaríamos de dizer, algo nos sugere que um processo particular e mental lhe ocorria, considerando sua vacilação. No caso do leitor treinado atribuímos a ele compreensão, uma vez que lê com desenvoltura; dizemos: ele leu clara e perfeitamente o texto, logo, compreendeu o que lia.

Contudo, é possível dizer do leitor treinado “apenas ele sabe se lê ou se diz as palavras de cor”. Ou seja, somos levados a inferir que “algo se passa” na pessoa que lê fluentemente e isto parece ser reforçado pelo caso da pessoa que não lê fluentemente. Isto é, nesta pessoa algo “não lhe ocorre” e isto é o que chamamos “compreensão”. A diferença parece ser que, num caso há compreensão do que é lido e no outro, não há compreensão e, justamente por isto, nos sentimos justificados a dizer que a pessoa não sabe ler. Entretanto, do fato de que alguém lê corretamente, não se pode afirmar que esta pessoa compreende o que lê, uma vez que apenas ela sabe se compreende ou se apenas pronuncia sons que, de alguma forma, decorou.

O que agora se agregou à consideração até aqui desenvolvida, é que ler se torna um processo particular, que apenas quem lê pode ter acesso. Ora, plausivelmente é possível argumentar quanto aquela pessoa que acreditamos, lê fluentemente, que apenas ela sabe se lê ou não; nós que apenas a ouvimos, mas não vemos o processo de compreensão do que ela lê ocorrendo. É este argumento “plausível” que Wittgenstein pretende analisar. Afinal, podemos ou não afirmar que na leitura ocorre um processo particular, mental, anímico, ao qual denominamos compreensão? Não é possível que uma pessoa que lê algo para nós, na verdade, não saiba o que lê, ela apenas produz sons que decorou? Como podemos saber? Neste caso, parece que apenas a pessoa pode saber (nota 27)? Consideramos que o caso de quem lê com dificuldade, como demonstrando que nesta pessoa, o processo de compreensão não ocorre. A sua forma de tartamudear ao ler o que lhe é solicitado, é considerado como uma demonstração disto.

Contudo, paradoxalmente Wittgenstein afirma que em ambas as pessoas ocorre o mesmo processo, vejamos, diz ele (nota 28):

Mas quero dizer: devemos admitir que – no que concerne ao pronunciar de qualquer uma das palavras impressas – a mesma coisa pode ter lugar na consciência do aluno que finge lê-la, e na consciência do leitor exercitado que a lê.

Ou seja, Wittgenstein afirma que os casos, se comparados em sua relação ao processo anímico que ocorre em cada um deles, são ou podem ser iguais. Mas imediatamente nosso entendimento é testado quando ele, em seguida, afirma “A palavra ler é empregada diferentemente (em itálico no texto original) quando falamos do principiante e quando falamos do leitor exercitado”.

Mas, calma lá, não pode ser a mesma coisa diríamos nós; parece que ocorrem coisas diferentes em cada um dos casos, se não for quanto ao de “que” estão conscientes no momento em que leem, então talvez seja no cérebro de cada um, nos mecanismos que ocorrem em cada um. Estamos perplexos, pois é evidente que, considerando o caso proposto, um lê e outro não, um sabe ler, transforma adequadamente sinais escritos em sons e o outro não compreende os sinais, ele tartamudeia, balbucia os sons. O que se passa neles é o que deve diferenciar a leitura da não leitura, não pode ser que lhes ocorra o mesmo processo mental.

No entanto, dirá Wittgenstein, que processos ocorram em cada uma das pessoas é uma maneira de falar; que lhes ocorram diferentes mecanismos é uma hipótese, modelos que usamos para explicar o que observamos. Nestas palavras finais Wittgenstein nos apresenta o que há de interessante no caso de explicar o jogo de linguagem com a palavra “ler”, isto é, nós observamos comportamentos diferentes e isto que observamos não é considerado quando nos dedicamos a descrever as atribuições de leitura e não leitura. Buscamos a diferença entre saber ler e não saber ler, nos processos mentais dos indivíduos e não no que fazem.

Retomemos as palavras iniciais da seção 156 as quais eu não apresentei propositadamente. Diz Wittgenstein:

Isto se tornará mais claro se intercalarmos a consideração de uma outra palavra, a saber a palavra “ler”. Primeiramente devo notar que, nesta consideração, não incluo no “ler” a compreensão do sentido daquilo que é lido; mas aqui ler é uma atividade de transformar em sons algo escrito ou impresso; mas também a atividade de escrever seguindo um ditado, de copiar um impresso, de tocar segundo uma partitura, e cosias do gênero.

Esta consideração é levada ao extremo, até o ponto da perplexidade, por Wittgenstein, tal como tentei mostrar mais acima. Para que nos “livremos” desta perplexidade a seção 157 nos propõe que consideremos o caso de pessoas que são treinadas como máquinas de leitura, pessoas treinadas para ler. Ora, neste caso, Wittgenstein está propondo que deixemos de lado o processo anímico que tanto nos trouxe complicações na argumentação desenvolvida em torno do caso considerado na seção anterior (a seção 156). Sua atenção agora será focada nas máquinas de leitura, nas quais a compreensão não serve de fundamento para atribuir leitura ou não. O caso das “máquinas de leitura” visa esclarecer as diferentes aplicações da palavra ler, no caso de quem é exercitado nesta tarefa e no caso de quem não o é, ou está iniciando o adestramento. Como comenta Elizabeth Anscombe sobre o caso: “Uma experiência especial ou palavras que surgem de maneira especial na mente do leitor não funcionará como explicação do que consiste ler no caso presente (nota 29 - Anscombe, 1991; 6).

Conclusão

O que a consideração quanto a palavra ler e no caso das máquinas de leitura, tem por objetivo é desmistificar, por assim dizer, a aura filosófica em torno da palavra “compreensão”. Ela deve ser considerada uma palavra tão comum quanto outra. O que torna esta palavra tão incomum para nós é, por um lado, que a usamos de maneira incompreendida na filosofia, e, por outro lado, justamente este uso incompreendido torna a compreensão mais que uma palavra e sim em uma descrição de um processo que ocorre na mente ou no espírito de quem ela é atribuída, ou que se atribui a mesma.

Em segundo lugar, Wittgenstein nos apresenta um caso em que definir certos conceitos como “processos que ocorrem na mente” de uma pessoa (a compreensão), apenas nos leva a confusões gramaticais, pois o que pretendemos definir é algo que já nos é dado, do contrário não saberíamos o que definir (nota 30). Em terceiro lugar, quando descrevemos os usos de um conceito, os jogos de linguagem em que este ocorre, as atitudes ou o comportamento que acompanham este uso, também, fazem parte do jogo de linguagem (nota 31).

Além disto, o que o caso da hipótese das máquinas de leitura revela, é que a atribuição de leitura com base na existência de um processo mental ou anímico, só tem validade quando diante de tais e tais circunstâncias específicas, determinados comportamentos ocorrem e, estes comportamentos, nestas circunstancias, são o que denominamos compreender. Com isto, podemos dizer que existem experiências conectadas com a leitura, mas ler não é nenhuma destas experiências. Ao mesmo tempo, existem várias experiências que podem estar conectadas com a ocasião em que dizemos que compreendemos algo, contudo, compreender não consiste exclusivamente em nenhuma destas experiências (nota 32 - Mais detalhes desta distinção em Anscombe, 1991; 7).

Por fim, como o caso de explicar o que ou em que consiste compreender, estava nos levando a transformar modelos de explicação em mecanismos de funcionamento, Wittgenstein chama nossa atenção para a consideração de uma palavra comum, cotidiana e cujo uso não parece nos causar perplexidades. Contudo, descrever estes usos cotidianos é uma tarefa complexa, mais complexa do que esperaríamos, uma vez que se trata de uma palavra “de uso simples” (nota 33). Isto, por sua vez é uma demonstração do que Wittgenstein diz na seção 118

De onde nossas considerações tomam sua importância desde que parecem destruir tudo que é interessante, isto é tudo que é grande e importante? (Como em todas as construções, na medida em que deixam sobrando montes de pedras e escombros). Mas são apenas castelos de areia que destruímos, e liberamos o fundamento da linguagem sobre o qual repousavam.

Bem, para não alongar esta apresentação – além do que já alonguei – gostaria de elaborar algumas breves considerações sobre tudo que até agora apresentei.

Em primeiro lugar tratei da consideração sobre a palavra leitura, para demonstrar que nas Investigações Filosóficas Wittgenstein explora os enganos que nossos modelos de explicação nos fazem cometer, quando não os consideramos como o que são, isto é, modelos que usamos para explicar e não descrições (nota 34). Por exemplo, o caso da definição ostensiva como regra privilegiada para a definição de nossos conceitos. Ao mesmo tempo, Wittgenstein rompe com a tradição que considera que nossas definições verbais, apenas nos conduzem a outras palavras e não ao que as palavras representam ou para quais objetos elas estão.

Os jogos de linguagem são o instrumento elaborado por Wittgenstein para demonstrar que, contrariamente a tradição filosófica, não há separação entre linguagem e realidade. Os jogos de linguagem revelam que usar a linguagem de maneira significativa, não incluiu unicamente o que uma palavra significa, mas sim que a aplicação significativa de uma palavra constitui o significado da mesma (nota 35) e não o contrário. Estas aplicações são o que fazemos em nosso dia a dia. Não cabe a filosofia tratar de “super-fatos”, “realidades inatingíveis pela linguagem”, antes os aspectos mais importantes das coisas estão ocultos pela simplicidade e trivialidade. Não nos damos conta dos verdadeiros fundamentos de nossa pesquisa, afirmará Wittgenstein. Este parágrafo já mereceria, por si só, uma apresentação exclusiva. Mas isto fica para outra ocasião.

Termino com esta passagem das Investigações Filosóficas que desde meu primeiro contato com a obra nos anos 80 tem servido de motivação de leitura da mesma (IF § 125e):

A posição cotidiana (bürgeliche) da contradição ou sua posição no mundo cotidiano (bürgelichen): este é o problema filosófico.


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AUTOR

*ARTURO FATTURI
Graduado em Filosofia, UNISINOS (1993); Mestre em Filosofia, UFSC (2003); Doutor em Filosofia, UFSCar (2010); Estágio Pós Doutoral, UFSC (2011). Professor Adjunto de Filosofia na UFMT (2011 – 2013), Professor Adjunto de Filosofia na UFFS (2013 – até o presente). Desenvolve pesquisas em Filosofia, especialmente na filosofia de Ludwig Wittgenstein, Filosofia da Linguagem, Filosofia da Mente e Epistemologia Contemporânea.

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Notas ao texto.

1. Por exemplo na investigação quanto ao conceito de seguir regras, Wittgenstein considera até o argumento de que aprendemos a seguir regras “num átimo”.
2. Diz ele em uma anotação de 1930 “Cada uma das frases que escrevo tem como objeto o todo, portanto sempre o mesmo e são, por assim dizer, somente aspectos de um objeto visto desde distintos ângulos”.Vermischte Bemerkungen , pg. 23 , trad. Espanhola, Siglo XXI.
3. Como é característico da personalidade de Wittgenstein ele sempre exprimia insatisfação com o que escrevia.
4. Wittgenstein Place in the Twenthieth-Century Analytical Philosophy, Blackwell, 1996
5. Contudo, numa nota de 1931 o próprio Wittgenstein aponta suas influências Boltzmann, Hertz, Schoppenhauer, Frege, Russell, Kraus, Loos, Weininger, Spengler, Sraffa. VB, 1931, pg 42 da tradução espanhola.
6. Ver James J Klagge, Wittgenstein in Exile, MIT Press, 2010. O Prof. Klagge explora a ideia de “exílio” como  tema explicativo da relação da filosofia de Wittgenstein com sua visão de mundo.
7. A filósofa Marie McGinn em Wittgenstein and the Philosophical Investigations (Routledge, 1997; 9), identifica dois temas básicos filosofia da linguagem e filosofia da psicologia, o Prof. Peter Hacker na obra acima citada identifica os seguintes temas (a) seu repúdio à analise filosófica redutiva (tal como exposta no TLP; (b) a concepção de filosofia como analise terapêutica; (c) critica à metafísica; (d) filosofia da linguagem e a concepção do significado como uso; (e) sua filosofia da psicologia e o repúdio da distinção interno/externo (Hacker, 1996; 103)
8. Cornell University Press, 1977.
9. Esta leitura diz tão pouco respeito à filosofia das Investigações Filosóficas que se cunhou o termo kripkenstein para definir a ação de Kripke, numa alusão à Frankenstein (o ser construído a partir de partes de outros corpos humanos), uma vez que kripke cria um novo Wittgenstein segundo suas preocupações filosóficas. Ou seja, kripkentesin nada esclarece sobre Wittgenstein, ainda que apresente temas filosóficos relevantes.
10. Refiro-me aqui tanto as obras do denominado período intermediário como as Remarks on Philosophy ou a Philosophical Grammar, mas também aos Blue and Brown Books, Big Typescript e a divulgação do Nachlass para consulta.
11. IF, § 90. Utilizo IF para Investigações Filosóficas, 190 para a seção e letras minúsculas para indicar os parágrafos de cada seção. Quando não indicados, significa que faça uma remissão a toda seção.
12. O texto da tradução de José Carlos Bruni traz: É como se devêssemos desvendar os fenômenos: nossa investigação, no entanto, dirige-se não aos fenômenos, mas, como poderíamos dizer, às possibilidades dos fenômenos. Refletimos sobre os modos das asserções que fazemos sobre os fenômenos.
13. IF, § 97b
14. IF § 185 - § 242
15. IF § 130
16. IF § 132b
17. Penso aqui no caso do aluno a quem se ensina a desenvolver uma série (§143, e retomado em §185), no caso das máquinas de leitura (§ 156), no caso do diarista que anota sinais num calendário que só ele sabe o que significam (§ 243)
18. Penso aqui no aforismo 4.002 do TLP. Paradoxalmente, se pode ver neste aforismo a a base da preocupação filosófica do que ele irá desenvolver nas Investigações Filosóficas, a saber, os acordos tácitos.
19. Ainda que, paradoxalmente não sejam estas linguagens que usemos em nosso dia a dia.
20. F § 115 “Uma imagem nos mantinha presos. E não pudemos dela sair, pois residia em nossa linguagem, que parecia repeti-la para nós inexoravelmente”. Combinemos esta seção com a passagem do Capítulo vii da segunda parte do texto das Investigações quando Wittgenstein nos diz “Nossa linguagem nos descreve primeiramente uma imagem. O que deve acontecer com ela, como deve ser empregada, isto permanece nas trevas. Mas é claro que deve ser pesquisado, se se quer compreender o sentido de nossas afirmações. A imagem, porém, parece dispensar-nos dessa tarefa; ela já indica um determinado emprego. Com isso, ela nos ludibria” IF, II, vii.
21.  Ou seja, os casos em que dizemos que sabemos continuar uma série ou sabemos usar uma palavra, pois compreendemos o que a série no exige fazer e, também, compreendemos o uso da palavra, não são demonstrações do suposto “processo anímico” que se passa em nós quando compreendemos. Ora, o processo de compreender se torna uma impossível de ser definido. Pior ainda, é possível que dois processos ocorram concomitantemente, isto é, o processo de “compreender” que ocorre ao dizer que sabemos continuar a série e o processo de “saber que palavras usar” para dizermos que sabemos continuar a série. Ou seja, nossa maneira de conceber a compreensão nos lança em mais confusão doq eu simplesmente dizer “pelo que fiz ou realizei demonstro que compreendi a fórmula”.
22. IF § 153
23. IF § 154(a)
24.  IF § 154 (c, d). No parágrafo seguinte desta seção (154(e)) Wittgenstein nos exemplifica o que considera “processo anímico”: diminuição e aumento de uma sensação de dor, a audição de uma melodia, a audição de uma frase.
25. G E M Anscombe “Wittgenstein: whose Philosopher” in A Phillips Griffiths (org) Wittgenstein Cetenary Essays, Cambridge, Cambridge University Press, 1991. A frase citada se encontra na pg. 4.
26. O uso desta palavra, nas circunstâncias de nossa vida habitual, nos é naturalmente muito bem conhecido. Mas o papel que a palavra desempenha em nossa vida, e, além disso, o jogo de linguagem no qual a empregamos, seriam difíceis de expor mesmo em traços grosseiros”. IF § 156(a).
27. IF § 156(f) neste parágrafo Wittgenstein já antecipa o que irá discutir, mais adiante no texto, na análise das experiências privadas e nos uso de “apenas ele sabe”, “apenas eu sei”, “apenas ele tem a suas dores”, “apenas eu sei as dores que tenho”.
28. IF § 156(g) “Ich will aber sagen:...”, “But I want to say:...”. É interessante pensar aqui, no que diz respeito a toda esta seção, na multiplicidade de vozes diferentes em tão curto espaço de texto: há um “nós” [leitor e escritor] que considera o caso, um “eu” que parece meditar [por exemplo “O uso desta palavra, nas circunstâncias de nossa vida habitual...] sobre o caso, e admoestar o leitor [Compare agora...] e no último parágrafo as “pessoas” se alternam rapidamente: num momento Wittgenstein fala sobre o que devemos pensar para, logo em seguida, assumir um “nós” que pensamos. Ou seja, a engenhosidade e criatividade do Wittgenstein escritor aparece aqui em sua exuberância.
29. Anscombe, 1991; 6.
30. Ou seja, observamos uma pessoa que lê fluentemente, atribuímos que tal fluência é fruto da compreensão do que ela lê, depois disto nos perguntamos, mas o que é a compreensão, neste caso?
31. Comparemos quando, em que casos, em que circunstâncias, consoante a quais atitudes afirmamos “ele sabe ler português” e em que casos, circunstancias afirmamos “ele lê muito mal o português”. Certamente não serão casos em que observamos a compreensão da língua portuguesa e sim, casos em que observamos o que a pessoa que lê ,faz, como ela se comporta.
32. Mais detalhes desta distinção em Anscombe, 1991; 7.
33. IF § 120 Quando falo da linguagem (palavra, frase, etc) devo falar a linguagem do cotidiano. Seria essa linguagem talvez muito grosseira, material para aquilo que queremos dizer? E como se forma então, uma outra? - E como é espantoso que possamos fazer alguma coisa com a nossa!
34. IF § 104 Afirma-se de uma coisa aquilo que se encontra em sua forma de apresentação. Tomamos para a percepção de um estado de coisas extremamente geral a possibilidade de comparação que nos impressiona.
35. IF § 130 Os jogos de linguagem figuram muito mais como objetos de comparação, que através de semelhanças e dessemelhanças, devem lançar luz sobre as relações de nossa linguagem.


BIBLIOGRAFIA

ANSCOMBE, G E M. “Wittgenstein: whose Philosopher” in A Phillips Griffiths (org) Wittgenstein Centenary Essays, Cambridge, Cambridge University Press, 1991
HACKER P. Wittgenstein Place in the Twentieth-Century Analytical Philosophy, Oxford, Blackwell, 1996
HALLETH, G. A Companion to Wittgenstein's Philosophical Investigations, Ithaca, New York,, Cornell University Press, 1977)
KLAGGE, J J. Wittgenstein in Exile, Massachusetts, MIT Press, 2010
KRIPKE, S Wittgenstein on Rules and Private Language: An Elementary Exposition, Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press,, 1982
McGINN, M, Wittgenstein and the Philosophical Investigations, London, Routledge, 1997
WITTGENSTEIN, L, Tractatus Logico Philosophico, São Paulo, EDUSP, 1996
WITTGENSTEIN, L, Investigações Filosóficas, São Paulo, Nova Cultural, 1980
WITTGENSTEIN, L, Blue and Brown Books, New York, Harper & Row, 1965

WITTGENSTEIN, L, Ultimas Observaciones, Madrid, Siglo XXI Editores, 1999

FEIRA DE SANTANA-BA | nº 2 | vol. 1 | Ano 2015
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