Nº 3 – Maio – Ano 2016 – Dossiê 'Filosofia e/da Literatura'

Revista Sísifo – Feira de Santana – v. 1, n. 3 (2016)
Nº 3 – Maio – Ano 2016.
Dossiê filosofia e/da literatura
Filosofia – Periódico
Feira de Santana – BA – Brasil
ISSN: 2359-3121

APRESENTAÇÃO


Com uma visão respeitosa sobre a arte literária é que lançamos a edição do dossiê “Filosofia e/da Literatura”, da Revista Sísifo. Há séculos a literatura mereceu um lugar honroso na sociedade. Em meados do século XIX, por exemplo, com escritores como Tolstói, Dostoiévski etc., a literatura estava no centro da arena dos grandes temas, da condição humana daquela época. 

O filósofo francês Jean-Paul Sartre defendeu que o escritor não é neutro diante da realidade histórica e social. A função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele. Diante disso, temos o artigo “Ser mulher em um desmundo hostil”, que realiza um paralelo entre a literatura e a história, posicionando uma questão central do nosso tempo: a mulher na sociedade. Além disso, mostra a força da literatura, mesmo ficcional, como produtora de um saber que não fica a desejar a nenhuma obra de História, afinal, como disse a autora, “acerca do longo e inegável vínculo entre os discursos da literatura e da história, dos acontecimentos e mesmo pessoas, não seria a construção da história também imbuída de semelhantes formas de construção? Assim como a literatura, a história denominada Positivista não passaria pelo crivo de escolhas e subjetividades para construir sua verossimilhança? Analisando os discursos históricos construídos até então, onde estariam os relatos sobre e, principalmente, das mulheres, dos negros e de todas as demais minorias?”.

Ao comentarmos sobre a mulher na sociedade que adentra a arte literária, nos remetendo ainda ao movimento feminista, com o “Ser mulher em um desmundo hostil”, comentamos de um engajamento na literatura, que está presente também no artigo “A morte contente: Blanchot e Sartre por uma literatura como experiência”, no qual “procura pensar as relações entre forma literária e engajamento, ou seja, aquilo que podemos entender como forma e conteúdo, próprias aos anos de 1940-50”, mas que a perspectiva desse debate não pretende ser apenas a reconstituição exegética de uma questão acadêmica, contudo quer também lançar luzes sobre a condição da literatura, sendo ela mesma sua situação.

Como percebido, preservando o potencial da arte literária em seus diversos aspectos, esta edição da Revista Sísifo não retira da literatura aquela importância que se confundia com a filosofia, a sociologia, com grandes visões de mundo, por isso as abordagens filosóficas se fazem presentes, como no artigo “Merleau-Ponty: Literatura e Filosofia como Configurações do Mundo Sensível”, no qual mostra o poder da linguagem e do silêncio, ou, como diz o autor desse texto, “sem a linguagem tudo é silêncio. Mas que o silêncio não é contrário à linguagem, porém a solicita para ter voz”, assim, seguindo ainda o autor, não sendo, portanto, mais o caso de reduzir, sobrepor ou opor o mundo mudo e o mundo falante, mas de deslindar o quiasma entre eles.

Também o artigo “Filosofia e literatura: caminhos cruzados” leva o leitor a se defrontar com algumas questões pertinentes sobre a relação entre filosofia e literatura. Esse trabalho proporciona diversos caminhos que abordam as obras literárias como filosóficas e as inquietações do autor desse texto, o qual diz que o seu escrito trata “de indicar aquilo que, no meu entender, parece funcionar melhor quando se trata da abordagem filosófica de obras literárias”.

Ainda nessa perspectiva de grandes visões de mundo, encontramos o artigo “Uma leitura de Fernando Pessoa e Merleau-Ponty”, afirmando que, para Merleau-Ponty, a obra poética e a filosófica exige um exercício de imaginação e de empatia que podem movimentar nossa experiência sensível e a inteligibilidade do pensamento, procurando, com fortes premissas, tematizar esse encontro entre sensação e pensamento, literatura e filosofia.

Já “Liberdade e destino: ensaio sobre o Les jeux sont faits, de Sartre”, traz algo muito interessante, por discutir um dos romances literários raros de Sartre no Brasil. Assim, o autor desse texto tece sobre a morte e a possibilidade da escolha sartreana, mas não como mero resumo desse romance e sim como uma oportunidade de propor uma discussão aprofundada sobre um livro tão polêmico quanto o próprio Sartre. É um ensaio com uma leitura exigente.

Continuando na esfera da filosofia e da literatura, somos agraciados com o artigo “A contemplação do uno em Plotino imerso no quem das coisas de Guimarães Rosa”. O nosso grande escritor clássico Guimarães está presente neste dossiê da Revista Sísifo com bastante louvor, proporcionando um encontro metafísico entre a linguagem da literatura e da filosofia, sobre uma interseção singular acerca da cultura filosófica nas veredas do Brasil, a partir da literatura de Guimarães Rosa.

“Ressonâncias entre filosofia e literatura em Deleuze e Guattari” é outro artigo que nos desperta muita atenção, por buscar, em uma só escrita, dois grandes filósofos, a saber: Deleuze e Guattari, que desafiam o autor do texto que obtém sucesso ao mostrar que a literatura é um constante campo de articulação no trabalho filosófico desses dois pensadores. Ou como diz o próprio autor, “ao entrar em contato com outros domínios além da filosofia, Deleuze e Guattari estão criando os intercessores com os quais se relaciona sua filosofia”.

A literatura brasileira permeia bastante pelos artigos desta edição. Agora é o nosso outro escritor Carlos Drummond de Andrade que é analisado, no trabalho “Drummond: poesia corporal e irônica”. Aqui os poemas de Drummond são estudados de uma maneira formidável, considerando a análise da fenomenologia de Merleau-Ponty. Mais um interessante trabalho que faz refletir sobre a literatura brasileira de forma singular.

Outra análise não corriqueira, e por isso interessante, é do artigo “Cesura Incomensurável: sobre ‘Metade da vida’, de Friedrich Hölderlin”. Friedrich Hölderlin, poeta lírico e romancista alemão, terá o seu estilo na escrita do poema “Metade da vida” analisado nesse trabalho, tomando como ponto de partida as tensões acionadas pelos ritmos e imagens colidindo nesse poema enigmático.

Quando dito que esta edição preserva o potencial da arte literária, em diversos aspectos, é porque realmente há uma diversidade sobre a literatura aqui. O artigo “Adorno, literatura e psicologia: ruminando o admirável mundo novo”, nos apresenta a literatura pelo viés do filósofo Adorno, que, como bem aponta o autor do texto, articula literatura, filosofia, ciência e música em um entrelaçamento para compor a sua teia conceitual. Por isso, já se percebe a complexidade desse filósofo nesse trabalho perante a arte literária, que abordará ainda o tema a partir da escolha de alguns aforismos adornianos sobre temas psicológicos em Aldous Huxley, um clássico escritor inglês. O leitor não só vai entrar em contato com a visão adorniana, como perceber ainda a complexidade da escrita desse filósofo ao tratar da literatura. Para se ter uma idéia dessa questão em Adorno, o artigo já sinaliza que procurará entender como a linguagem musical ressoa na crítica literária, ou seja, trata-se de uma arte (música) que se resvala em outra arte (literatura).

Ainda tecendo sobre os aspectos psicológicos em escritores ou na literatura, citemos também a grande contribuição do artigo “Diálogos entre psicanálise e literatura: criatividade e sentimento de realidade em Winnicott”, que vai analisar a criatividade e as implicações para a compreensão da produção artística, utilizando, como exemplo, um grande nome da literatura mundial: Goethe, e a sua famosa obra “Os Sofrimentos do Jovem Werther”. Esse trabalho levanta um tema importante, pois Winnicott não se debruçou exclusivamente na literatura, mas na criatividade, assim é uma ótima oportunidade de entendermos a perspectiva winnicottiana da literatura, a qual, como mostra os autores desse escrito, nos leva também a “saber sobre o que versa a vida”.

A diversidade continua ao se tratar da sociologia literária no artigo “Regimes de acumulação e Épocas Literárias”, evidenciando que a sociologia já acumulou um conjunto de contribuições analíticas sobre o fenômeno literário desde o século XIX. Dentre as diversas tendências que emergem na análise social da literatura, o autor do texto dá destaque à abordagem marxista, com intuito de afirmar a superação da autonomização da literatura e da produção artística em geral, já que a literatura não está fora da história da sociedade e só pode ser adequadamente compreendida no interior desta.

Quando nos voltamos também ao artigo “O olhar de Karawa e o animal que não se foi”, percebemos que casa de maneira original duas formações: Biologia e Filosofia, que buscam tratar de um problema humano se valendo de imagens. Ou seja, como afirma a autora: "A diluição inevitável do estranhamento em uma condição para além dessa mania antropocêntrica tornaria menos dramática a experiência do entreolhar, ainda que ela resultasse em movimentos trágicos comuns quando se liberta o devir orgânico de suas contenções...". Para demonstrar essa libertação do devir orgânico, o texto seleciona algumas imagens da literatura: o axolote de Cortázar, o inseto Gregor Sansa kafkiano etc. O leitor ao se dirigir ao inevitável reencontro com o animal apartado, negado, ele encontrará, dentre outros escritores, uma ênfase no inseto da obra A Metamorfose, do escritor Kafka, onde o personagem Gregor é visto como um animal/inseto que representa a condição humana. Essa e outras provocações desse artigo, situadas em um nível bastante denso e rico, abordam a literatura em uma perspectiva própria e excepcional de teor filosófico.

Ainda neste dossiê há uma bela entrevista com um dos jovens nomes da literatura nacional: Rafael Gallo, autor do romance Rebentar (Record, 2015) e de Réveillon e outros dias (Record, 2012), este é um livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura e finalista do Prêmio Jabuti; e também há uma resenha intitulada “Crime e castigo do amor: resenha do livro Minha Querida Aline” que aborda o romance literário Minha Querida Aline (Editora Multifoco, 2015), do autor Marcelo Vinicius, realizada por Sérgio Tavares, finalista do 2º Prêmio Brasília de Literatura e vencedor do Prêmio Sesc de Literatura.

A Revista Sísifo agradece a todos os autore(a)s presentes nesta edição que, muito atenciosamente e reconhecendo a iniciativa do organizador deste número da Sísifo, dedicaram importante parte de seus preciosos tempos para a realização dos artigos que compõem o nosso dossiê “Filosofia e/da Literatura”. São ele(a)s: Doutoranda Dinameire Oliveira Carneiro Rios (UFBA); Prof.ª Dr.ª Priscila Rossinetti Rufinoni (UnB); Prof. Postdoc. Wanderley C. Oliveira (UFSJ); Prof.ª Postdoc. Terezinha Petrucia da Nóbrega (UFRN); Prof. Dr. Luciano donizetti da silva (UFJF); Graduando Carlos Eduardo Gomes Nascimento (UFBA); Prof. Postdoc. Nilson Fernandes Dinis (UFSCar); Prof. Pós-doutor Cristiano Perius (UEM); Prof. Dr. Emílio Maciel (UFOP); Prof. Dr. Carlos César Barros (UEFS); Prof. Pós-Doutor Nildo Viana (UFG); Graduanda Daniela Lima de Almeida (UEFS); Graduanda Thaís de Almeida Santos (UEFS); Graduando Matheus Cerqueira Medrado (UEFS); Escritor premiado nacionalmente Sérgio Tavares; Prof. Pós-Doutor Douglas Garcia Alves Júnior (UFOP); e Prof.ª Dr.ª Andreia Aparecida Marin (UFTM).

Agradecemos, igualmente, aos colegas que aceitaram a atividade de realização dos pareceres para o presente volume, à contribuição do Editor e do Comitê Editorial. Assim, pelo esforço editorial e por reunir grandes nomes nas áreas da Literatura e Filosofia da literatura, o dossiê “Filosofia e/da Literatura” passa a ser, além de instrumento de divulgação, uma ferramenta de consulta e, ao mesmo tempo, uma referência aos interessados nesse campo de discussão.

Por fim, a Revista Sísifo reconhece que uma sociedade que não tem um número o suficiente de pensadores, escritores, poetas compromissados com a arte é uma sociedade incapaz de verbalizar a sua experiência mais real, assim a vida se torna incompreensível e o falar se torna em uma repetição estereotipada. A experiência coletiva se torna mais complicada.

Dedicamos o dossiê “Filosofia e/da Literatura” às escritoras:
Ana Miranda
Clarissa Macedo
Lúcia Facco
Marcelo Vinicius Miranda Barros 
(Organizador)


DOSSIÊ: FILOSOFIA E/DA LITERATURA

Por: Dinameire Oliveira Carneiro Rios

Por: Andreia A. Marin

Por: Luciano Donizetti da Silva

Por: Priscila Rossinetti Rufinoni

Por: Wanderley C. Oliveira

Por: Terezinha Petrucia da Nóbrega

Por: Carlos Eduardo Gomes Nascimento

Por: Nilson Fernandes Dinis

Por: Cristiano Perius

Por: Emílio Maciel

Por: Carlos César Barros

Por: Nildo Viana

DIÁLOGOS ENTRE PSICANÁLISE E LITERATURA: CRIATIVIDADE E SENTIMENTO DE REALIDADE EM WINNICOTT
Por: Daniela Lima de Almeida, Matheus Cerqueira Medrado e Thaís de Almeida Santos

Por: Douglas Garcia Alves Júnior

Por: Sérgio Tavares

Por: Sérgio Tavares