O abandono do homem espiritual: uma leitura da fragmentação humana a partir das categorias antropológicas de Lima Vaz

    Revista Sísifo. N° 14, Julho/Dezembro 2021. ISSN 2359-3121. www.revistasisifo.com




 

Carlos Daniel de Souza Martins

Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Salesiano de Vitória (ES). E-mail: carlosdanielsm99@gmail.com.

 

Talita Cristina Garcia

Graduada em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu; Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail: talitacgarcia@yahoo.com.br

 

Resumo: É notável na sociedade contemporânea uma diversidade de crises que assolam a humanidade em seus diferentes campos de relação. Fala-se muito em crise econômica, crise política, crise cultural, crise moral e ainda muitas outras formas específicas de conflito. Nota-se, porém, que o ser humano está na base dessas manifestações fragmentárias, pois ele se encontra no centro das diversas formas de expressão cultural. Isso nos permite dizer que o cerne das diferentes crises encontradas na contemporaneidade é a própria crise humana que, tendo rompido sua unidade estrutural, encontra-se fragmentada e sem sentido. Diante disso, este artigo teve por objetivo compreender a fragmentação humana, dentro das rupturas ocorridas no contexto moderno-contemporâneo, a partir dos conceitos fundamentais da antropologia filosófica de Henrique Claudio de Lima Vaz. Esta pesquisa utilizou metodologia de revisão bibliográfica, e ao final do artigo, pretendeu evidenciar a necessidade de autorrealização do ser humano na unidade de suas categorias, reafirmando a dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Antropologia Filosófica. Lima Vaz. Fragmentação humana.

 

Abstract: It is notable in contemporary society a diversity of crises that plague humanity in its different fields of relationship. There is much talk of economic crisis, political crisis, cultural crisis, moral crisis and many other specific forms of conflict. It is noted, however, that man is at the base of these fragmentary manifestations, as he is at the center of the various forms of expression of culture. This allows us to say that the heart of the different crises found in contemporary times is the very crisis of man who, having broken his structural unity, is fragmented and bewildered. With this, the objective is to understand human fragmentation, within the ruptures that occurred in the modern-contemporary context, from the fundamental concepts of philosophical anthropology by Henrique Claudio de Lima Vaz. For this, an exploratory methodology was used, which is based on a bibliographic research. Thus, at the end of the article, the need for self-realization of man in the unity of his categories is evident, reaffirming the dignity of the human person.

Keywords: Philosophical Anthropology. Lima Vaz. Human Fragmentation.

 

 

 

 

 

 

 

 

1       INTRODUÇÃO

 

Henrique Claudio de Lima Vaz (1921 – 2002), padre jesuíta e filósofo brasileiro, é considerado com grande destaque entre as mentes intelectuais das últimas décadas no Brasil. Com uma escrita fortemente sistematizada, Lima Vaz procura, através da dialética hegeliana, esclarecer o ser humano, a ética, o mundo, a cultura, a história e a transcendência numa análise filosófica da realidade sociocultural. Seu processo metodológico, em vista de um desenvolvimento filosófico, está ligado diretamente à rememoração da discussão conceitual ao longo da história (FERREIRA, 2009, p. 26).

A intenção de responder à pergunta sobre “o que é o homem?” é a principal motivação para os estudos antropológicos de Lima Vaz. O caminho para essa resposta se dará ao longo do resgate e da reflexão acerca das diversas imagens de ser humano, elaboradas no itinerário filosófico dos períodos clássico, medieval, moderno e contemporâneo.

Para Vaz (2014, p. 159), a integração entre a tradição clássica (greco-romana) e a tradição bíblico-cristã oferece duas contribuições fundamentais para ideia de ser humano: o homem como portador de uma razão universal (animal rationale) e dotado da liberdade de escolha (liberum arbitrium). Essas duas características colocam a antropologia filosófica na interseção entre a Metafísica e a Ética.

Entretanto, a partir do século XVIII, a ideia de ser humano, herdada pela tradição filosófica ocidental, é dissolvida em meio as novas ciências do homem e da natureza, como a Psicologia e a Biologia. O desequilíbrio entre as dimensões material e espiritual no avançar da modernidade provoca rupturas que afetam e fragmentam a própria unidade ontológica do ser humano e descaracterizam o seu modo de vida propriamente humano (VAZ, 2014, p. 14).

Por conseguinte, entendemos que a reflexão sobre o ser humano se encontra no cerne das diversas formas de interpretação do homem, como a Antropologia, a Psicologia, a Filosofia e a Cultura. Além disso, uma vida fragmentada, sem a unidade de suas estruturas, apresenta sintomas que prejudicam a ela mesma: vícios, consumismo, banalização do sexo, violência, depressão e suicídio. Tais sintomas se estendem do indivíduo à relação social da família, da educação, do trabalho, da cultura e da arte, da forma de governar e, principalmente, da ética (FRANCA, 2019). 

Nesse contexto, encontramos a possibilidade de elaborar uma reflexão sobre o problema que orienta este artigo: como compreender a fragmentação humana a partir das categorias propostas pela Antropologia de Lima Vaz? 

Assim, desenvolvemos este trabalho, numa metodologia de cunho exploratório e de pesquisa bibliográfica, a fim de: conceituar as categorias fundamentais do ser humano em Lima Vaz; refletir sobre a categoria Espírito como “modo de vida propriamente humano”; definir o contexto em que se insere a fragmentação humana e, por fim, abordar suas consequências existenciais e sociais.

 

2       A UNIDADE CATEGORIAL DO SER HUMANO

 

A obra de Vaz (2014), “Antropologia Filosófica”, é composta por duas partes. Na primeira, o filósofo apresenta os conceitos antropológicos elaborados pela tradição filosófica e inicia a sistematização de seu pensamento. Nele, o ser humano é reconhecido como ser constituído de categorias: o corpo próprio, a psique e o espírito. Na segunda parte, Vaz (1992) continua apresentando a constituição humana nas relações de objetividade, intersubjetividade e transcendência. Ao desenvolver esses conceitos, Lima Vaz indica a unidade ontológica entre essas categorias como processo de realização do homem enquanto pessoa humana, ao que ele denominará categoria da realização e categoria da pessoa. 

Para tal fim, Vaz (2014) distingue a compreensão do ser humano em três momentos, ou domínios, fundamentais de seu procedimento metodológico: a pré-compreensão, a compreensão explicativa e a compreensão filosófica ou transcendental. Nesses estágios se pode identificar a evolução da percepção do homem sobre si mesmo, desde uma análise exterior de si a uma visão global e transcendente da realidade. 

Por conseguinte, o filósofo articula o seu pensamento e o desenvolvimento das categorias antropológicas através de um movimento dialético chamado suprassunção. Nele, o ser humano afirma-se enquanto sujeito (S) que passa do mundo da natureza (N) ao mundo da forma (F) ou da significação:  

 

Esse movimento dialético, que se pode representar com o esquema (N) – (S) – (F), aparece como constitutivo do ser-homem em todos os momentos de sua autocompreensão [...], pois exprime a lógica do seu ser [...] estruturada como movimento de suprassunção (Aufhebung) da Natureza na Forma pela mediação do Sujeito no sentido estrito de sua subjetividade ou de sua egoidade [...] (VAZ, 2014, p. 166 – grifos do autor). 

 

Assim, neste primeiro momento, desejamos expor as categorias e as relações humanas propostas por Lima Vaz, no intento de demonstrar a necessidade de sua integração frente aos desafios impostos por uma sociedade dirigida pela lógica do consumo e da satisfação pessoal.

 

2.1 O corpo próprio e o psiquismo

 

O primeiro problema que se apresenta na discussão conceitual de Vaz (2014, p. 177) é a presença imediata do ser humano no mundo através de seu corpo. O processo de autocompreensão humano encontra seu início no entendimento dessa condição corporal. Porém, o autor não se refere ao corpo meramente físico-biológico. Lima Vaz aborda essa temática numa categoria específica denominada corpo próprio, com uma dimensão intencional singular do sujeito, que o difere dos demais entes corpóreos.   

Dessa forma, o início da pré-compreensão do corpo próprio, ou seja, da imagem de corpo formada pela experiência que o indivíduo faz de si mesmo, dá-se na distinção entre a presença natural do ser humano no mundo e sua intencionalidade. 

Enquanto presença natural, o homem se encontra sujeito às leis da natureza. É um estar-no-mundo passivo às circunstâncias e às determinações de sua estrutura físico-biológica. Enquanto presença intencional, o homem fundamenta sua atividade como sujeito. É o ser-no-mundo que possibilita o domínio e a organização de sua vida numa dimensão propriamente humana (VAZ, 2014, p. 179). Porém, para Andrade (2016, p. 36), a pré-compreensão dessa estrutura não constitui, de fato, uma explicação, antes é um tipo de conhecimento advindo do senso comum, que necessita ser esclarecido.

Segundo Vaz (2014), é na compreensão explicativa que se pode descrever e entender a estrutura humana cientificamente, com procedimentos e normas próprias do conhecimento empírico-formal. Na intenção de explicar o que é o corpo, o sujeito capaz de abstrair apoia-se em observações e experiências para submetê-lo às ciências da natureza, particularmente à Biologia. 

Entretanto, ainda que o corpo possa ser objeto científico tal como dado na natureza, não há como reduzi-lo na supressão de sua referência humana e de sua integração na totalidade da vida, pois existe uma “impossibilidade de uma descrição estritamente objetiva do corpo humano [...]” (VAZ, 2014, p. 181). 

Assim, o que desejamos ressaltar nessa categoria é expresso com maior profundidade na compreensão filosófica da corporeidade. Segundo Vaz (2014, p. 186), é nesse plano que se percebe a tensão entre o corpo-objeto e o estabelecimento do sujeito como corpo próprio. Se, por um lado o ser humano é apresentado na objetividade das coisas e se submete às leis da natureza, por outro, ele denuncia a presença de uma interioridade intencional.  

Por consequência, embora o corpo próprio seja constitutivo do ser humano, ele não é capaz de definir o homem em sua totalidade. Conforme ensina Vaz (2014, p. 187): 

 

[...] o princípio de totalização impele esse discurso para além dos limites da presença imediata do homem no mundo pelo corpo. Essa presença não é, portanto, a presença total do homem a si mesmo, ou ela não implica a plena relação de identidade do homem consigo mesmo que exprime o seu ser. 

 

Dessa forma, a presença intencional do ser humano ao corpo próprio indica a direção de um caminho além da fronteira material e de sua dimensão físico-biológica.  Segundo Ferreira (2009, p. 49), “[...] a corporeidade própria do ser humano aponta para a existência de uma vida interior, que anima e dirige o seu corpo, tornando-o capaz de tomá-lo como instrumento de expressão, ação e de intervenção na realidade”.  

Esse caminho interior é organizado na categoria do psiquismo como primeiro estágio de interiorização da realidade natural. A psique, consoante Vaz (2014), exerce uma posição mediadora entre o corpo próprio (somático), como exterioridade do ser humano no mundo, e o espírito (noético-pneumático), como interioridade absoluta.     

Na pré-compreensão do psiquismo, o ser humano plasma sua expressão na constituição de um mundo interior através do imaginário (representação) e do afetivo (pulsão), de modo que o espaço-tempo do mundo é submetido à interiorização. Por consequência, a temporalização do espaço em sucessivos estados da memória configura um ritmo próprio do Eu que surge como centro do mundo interior e possibilita o início de uma delineação da consciência individual (ANDRADE, 2016). 

Durante a compreensão explicativa do psiquismo, Vaz (2014) aponta a busca do ser humano para compreender o seu interior através dos métodos das ciências empírico-formais. Embora o principal modelo epistemológico dessa categoria seja a Psicologia, seu significado como ciência da alma não indica coerentemente o alvo de seus estudos, pois é próprio desse modelo a investigação daquilo que pode ser experimentado. 

Dessa forma, o psiquismo pode ser observado pelas “psicologias” através de sua expressão comportamental ou dos estímulos que lhe são oferecidos. Entretanto, Vaz (2014) aponta nessa relação uma impossibilidade de eliminar o sujeito interior e de se objetivar completamente a manifestação dessa realidade.  

Assim, o filósofo avança com maior profundidade na compreensão filosófica da psique humana e reforça a tensão entre o psíquico e o somático, que é destacada em consonância com a tensão entre o psíquico e o noético. Como foi dito, a categoria do psiquismo é marcada por sua posição mediadora entre o corpo e o espírito. Além disso, a oposição entre a unidade da consciência e a diversidade de suas formas psicológicas apresenta o próprio Eu como sujeito unificador da vida psíquica, favorecendo a unidade ontológica do ser do homem (VAZ, 2014, p. 197).  

Da mesma forma, como vimos no corpo próprio, ao afirmar-se enquanto psiquismo o homem nega essa categoria como realidade máxima de seu ser.  A totalidade de sua constituição não pode ser reduzida apenas ao somático ou, nesse caso, ao psíquico. 

Por conseguinte, tendo em vista o perigo de fechar a subjetividade do sujeito dentro de um egocentrismo, Pozzo (2014, p. 38) afirma que:  

 

[...] apesar do homem ser constituído de apetites e desejos, memórias e emoções, o seu ser não se limita ao psiquismo [...]. O psiquismo é parte constitutiva do ser do homem e não sua totalidade. Há outra dimensão que transcende a própria interioridade do homem, que o lança para além, na busca de algo mais profundo [...].

 

É na tentativa de superar o reducionismo ao corpo, ou ao psiquismo, que Vaz (2014) destaca uma forma superior de objetividade: na categoria espiritual, o ser humano encontra uma verdadeira unidade ontológica entre suas estruturas, de forma que nela se configura a vida como propriamente humana.

 

2.2 O espírito como modo de vida propriamente humano

 

 

O discurso conceitual sobre o ser do homem chega ao seu ápice com a categoria do espírito, que é o nível mais profundo de sua estrutura ontológica. Segundo Vaz (2014, p. 203), sem a categoria do espírito não seria possível iniciar um discurso sobre o ser do homem, pois é a partir dela que se pode questionar: o que é o homem? 

Para Vaz (2014), o ser humano é constituído de corpo próprio, psiquismo e espírito, mas este não se reduz a estrutura biopsíquica, que está ligada à contingência e à finitude:

 

O espírito é, segundo a terminologia clássica, uma perfectio simplex: em si mesmo, atualidade infinita de ser. Por isso mesmo, é pelo espírito que o homem participa do Infinito ou tem indelevelmente gravada em seu ser a marca do Infinito (VAZ. 2014, p. 205 – grifos do autor).

 

Segundo Vaz (2014), essa noção do espírito como participante do Ser, somente é possível segundo uma analogia de atribuição:  

 

[...] Deus é dito sábio não somente porque produz a sabedoria, mas também porque, enquanto somos sábios, de certo modo imitamos a sua virtude, mediante a qual nos faz sábios. Contudo não se diz que é pedra, embora tenha feito as pedras, porque por este nome entende-se um determinado modo de ser, segundo o qual a pedra distingue-se de Deus. A pedra, no entanto, imita Deus, como sua causa, quanto ao ser, à bondade e a outras perfeições, o que acontece também com as demais criaturas (TOMÁS DE AQUINO, Suma Contra os Gentios, I, XXXI, 1; 1990, p. 73-74).

 

O Aquinate apresenta o ser como termo análogo, ou seja, como aquilo que se aplica tanto a Deus quanto à pedra, pois Deus e pedra são, isto é, possuem ser. Entretanto, Deus não possui causa, mas é causa da pedra, de forma que, ao existir por si mesmo, oferece subsistência à pedra criada, como participante de seu Ser. Assim asseveram Reale e Antiseri (1990, p. 561): 

 

O fundamento metafísico da analogia está no fato de que causando a causa transmite-se a si mesma, de certo modo. A semelhança não é uma qualidade adicional, mas sim coessencial à natureza do efeito, do qual nada mais é do que o sinal externo. 

 

Da mesma forma, podemos atribuir essa analogia ao homem, pois, assim como o ser, a noção de espírito enquanto categoria constitutiva do homem, também é um termo análogo, que possibilita a participação do espírito do homem, enquanto analogatum inferius, no Espírito Absoluto, enquanto Princeps Analogatum. Assim, a categoria espiritual é ponte para o Absoluto, e revela o ser humano como ser de fronteira entre suas dimensões material e espiritual (VAZ, 2014, p. 205). 

Por conseguinte, a experiência da pré-compreensão espiritual manifesta o momento singular em que o homem está presente a si mesmo e está presente no mundo. Pelo espírito, somático e psíquico são suprassumidos como participantes da manifestação do ser, tirando o homem de sua condição natural para ser-no-mundo. Conforme entende Vaz (2014, p. 208 – grifos do autor): “[...] as pré-compreensões do somático e do psíquico [...] só são possíveis como esboço ou primeiro passo da pré-compreensão do espírito ou da experiência espiritual”. 

Ainda segundo Vaz (2014), a pré-compreensão do espírito caracteriza o surgimento da consciência racional. Nela, o ser humano se opõe dialeticamente ao mundo como presença reflexiva, na qual o mundo se torna para ele compreendido e significado através de representações e linguagens. Assim, podemos dizer que o ser do homem, pela expressão do espírito, é um ser de linguagem. 

Na compreensão explicativa, diferentemente do que dissemos sobre o corpo, existe uma impossibilidade de se objetivar o espírito segundo os princípios e métodos empírico-formais, pois a própria ciência é uma manifestação operativa do espírito. Conforme Vaz (2014), o que pode ser explicado nessa compreensão são as atividades manifestadas pela experiência espiritual em sua estrutura, forma e condição, como o conhecimento intelectual na lógica, o ato livre na psicologia da vontade e a linguagem nas ciências que a estudam.    

Assim, consoante Vaz (2014), todas as ciências são, na verdade, ciências do espírito, pois é somente através dele que “[...] o homem opera humanamente e produz obras propriamente humanas” (VAZ, 2014, p. 213). Dessa forma, os estudos do somático e das manifestações do psíquico, em suas compreensões explicativas, são também um estudo da manifestação espiritual.  

Na sequência, a compreensão filosófica dessa categoria aponta uma tensão entre o categorial e o transcendental, ou seja, entre o espírito que constitui e afirma o ser do homem e a transcendência que ultrapassa os limites conceituais da antropologia: 

 

No sentido categorial é a condição intrínseca de possibilidade do espírito que pertence a estrutura transcendental do ser do homem, ou seja, uma categoria ontológica interior do discurso, no qual se afirma o ser do homem. No sentido transcendental, que é o clássico, o espírito é entendido em correlação à noção analógica de ser, que ultrapassa o homem e vai na direção do Espírito absoluto e infinito como princeps analogatum (ANDRADE, 2016, p. 65). 

 

Dessa forma, segundo Vaz, o homem existe em sua abertura transcendental à universalidade do ser, com capacidade de exercer a contemplação da verdade, e liberdade para ir em direção ao amor desinteressado do bem. A partir dessas características, o homem se afirma como ser racional e livre, propriamente dito: ser-para-a-verdade e ser-para-o-bem (VAZ, 2014).  

A vida, segundo o espírito, é a fonte original da qual flui o ser do homem enquanto presença e unidade. Conforme Vaz (2014), só o espírito é presente a si mesmo. Com efeito, só pelo espírito o homem está presente a si, no autoconhecimento e na autodeterminação. Por conseguinte, corpo e psiquismo são integrados pelo espírito ao existir total do homem: 

 

[...] sendo somática e psiquicamente determinada, a vida humana não pode ser denominada com propriedade “a vida segundo o corpo” ou “vida segundo o psiquismo”. É vivendo segundo o espírito que o homem vive humanamente a vida corporal e a vida psíquica. Todos os saberes normativos sobre a vida humana (a Religião, a Ética, a Política...) pressupõem essa primazia determinante do espírito na definição da vida humana enquanto humana (VAZ, 2014, p. 240 – grifo do autor).  

 

Assim, enquanto constituído de corpo-próprio, o homem se insere intencionalmente no mundo; enquanto constituído de psiquismo, ele esboça sua consciência através dos sentimentos e da emoção; e, por fim, enquanto constituído de espírito, o ser humano se afirma como ser-no-mundo, dotado de inteligência e liberdade, de forma que Vaz (2014) atesta a vida propriamente humana como a vida segundo o espírito, e encerra nele o discurso sobre as estruturas que constituem o ser do homem.

 

2.3 Objetividade, intersubjetividade e transcendência

 

 

Partindo das estruturas ontológicas necessárias para constituição do ser do homem, Vaz apresenta as relações fundamentais do ser humano. Nelas se encontram a possibilidade de relacionamento com o mundo, com o outro e com o Absoluto. Assim, a relação de objetividade designa, segundo Vaz (1992), o primeiro contato do ser uno, ou seja, do ser enquanto unidade entre corpo, alma e espírito, com a realidade exterior. Com esta categoria:  

 

[...] o mundo se apresenta como mundo dos objetos, homólogo ao nosso corpo na localização espácio-temporal, como mundo das representações e desejos no espaço-tempo da interioridade psíquica, e como mundo das significações e dos fins no domínio do espírito (VAZ, 1992, p. 21 – grifos do autor). 

 

Por conseguinte, Vaz (1992) expõe o ser humano como animal symbolicum, ou seja, como ser capaz de explicar o mundo através de significações, tendo a natureza como lugar do fazer produtivo (poiética) e da contemplação (theoria).  

Tendo visto o ser humano como ser-para-o-mundo, Vaz (1992) demonstra ainda, a necessidade de uma relação recíproca através de uma exigência da linguagem. Sendo o mundo-natureza incapaz de corresponder a essa necessidade, suscita-se assim, o aparecimento de um outro sujeito no horizonte do mundo.  

Dessa forma, a relação recíproca entre os sujeitos terá lugar na coexistência com o outro, ou como define Vaz (1992), a intersubjetividade constituirá o ser humano como ser-com-o-outro, ou ainda como ser-em-comum, de forma que o mundo se torna para nós a possibilidade de encontro do sujeito com seu semelhante, ou seja, com um outro sujeito constituído da mesma unidade entre corpo, alma e espírito, ou ainda como define Vaz (1992, p. 65), “[...] um reconhecimento, expresso na identidade dialética do Eu com o não-Eu como Eu (alter ego)”. 

Embora o homem se apresente, a partir de sua intersubjetividade, numa comunidade de sujeitos, Vaz (1992, p. 76) expõe que não é possível torná-la horizonte último da relação humana pois, pelo espírito, ele está aberto a uma interioridade mais profunda, que impede a consideração do Eu como um nós.  

Com a transcendência, essa nova forma de relação está intimamente ligada ao espírito e à unidade que ele confere. Através dela o sujeito se difere da realidade imediata, de forma que o conceito de transcendência se opõe ao conceito de imanência: 

 

O imanente designaria, nesse caso, o âmbito do mundo como horizonte englobante das experiências imediatas do homem, ao passo que o transcendente se referiria às realidades supostamente existentes para além das fronteiras do mundo e postuladas como causa, fundamento ou modelo ideal das realidades mundanas (VAZ, 1992, p.99). 

 

Assim, Vaz (1992) define a categoria da transcendência como solo onde se encontram, nas profundezas de suas raízes, todas as experiências humanas. Por consequência, existe uma impossibilidade de reduzi-las a contingência e ao efêmero sem antes passar pela relação propriamente transcendente em torno da verdade, da bondade, da beleza e, principalmente, da unidade.  

 

3       O ABANDONO DO HOMEM ESPIRITUAL

 

Tendo explanado as definições estruturais e as relações fundamentais do ser humano, recorda-se aqui a questão existencial própria do homem ao perguntar-se quem ele é. Vaz (1992, p. 227) apresenta a realização da unidade entre essas categorias como uma resposta adequada ao questionamento “o que é o homem?” na síntese admirável: “[...] dos níveis de ser, em si mesmos irredutíveis, que nele se unem, sem se confundir, [...] enunciada nessa única proposição: o homem é pessoa.”

Dada a conceituação antropológica de Lima Vaz, na qual o ser humano se caracteriza como constituição ontológica entre as estruturas do corpo próprio, do psiquismo e do espírito, e que se expressa através de suas relações de objetividade, intersubjetividade e transcendência, busca-se aqui, delinear o caminho proposto pelo autor para entender a fragmentação humana ao longo da Modernidade.

O período que desejamos analisar brevemente:

 

[...] pretende designar especificamente o terreno da urdidura das ideias que vão, de alguma maneira, anunciando, manifestando ou justificando a emergência de novos padrões e paradigmas da vida vivida (VAZ, 2002, p. 12). 

 

Consoante Vaz (2002), a aurora da Modernidade é anunciada ao apagar das últimas luzes que iluminavam a Idade Média. Os séculos XIII e XIV serão períodos de profundas mudanças nas estruturas sociais, econômicas, políticas, e, principalmente, intelectuais. O arborescer de um novo fluxo cultural, novas ideias, novos métodos e novos problemas darão origem às rupturas e inversões que desenvolverão o pensamento moderno.

Todavia, não iremos à profundidade dessas raízes complexas e vastas, mas caracterizaremos alguns princípios teóricos que levam a discussão central de nossa argumentação, isto é, o abandono do homem espiritual.

 

3.1 Ruptura da estrutura analógica da razão

 

 

Ao traçar um caminho para compreender o desenvolvimento da racionalidade moderna, Vaz (1995) recorre à tradição clássica-medieval, que define a Razão pela sua abertura transcendental ao Ser e sua total reflexividade consigo mesma.

Conforme o entendimento de Aristóteles, adotado pelo pensamento medieval, o saber é divido em três formas da razão: a) razão teórica, relacionada a verdade e voltada para a transcendência e contemplação do cosmos; b) razão prática, relacionada ao bem e direcionada ao agir virtuoso; c) razão poiética, relacionada à técnica e situada no domínio operacional do objeto pelo homem (OLIVEIRA, 2013).

Essa diversidade de racionalidades encontra uma unidade através da razão teórica, ou filosófica. No conhecimento clássico, a contemplação corresponde à dignidade mais elevada da Razão, que ordena e orienta os demais saberes. Segundo Vaz (1995), o cosmos aristotélico é tão perfeito que o ser humano não pode adicionar nenhum outro elemento a ele, devendo sobretudo contemplar a harmonia já existente, de forma que a teoria estabelece uma primazia ao polo metafísico da razão.

A unidade dessa distinção só pode ser entendida coerentemente na noção de analogia, conceito fundamental no pensamento de Lima Vaz. Como visto na categoria do espírito, essa noção é compreendida, na esteira de Tomás de Aquino, como uma identidade na diferença[1], de forma que, mesmo diferentes, os termos análogos possuem uma parcial semelhança. Explica Andrade (2016, p. 103):

 

Tomás [...] compreende que o Ser tem múltiplos sentidos [...]: ele distingue, com mais precisão, o ser das criaturas, separável da sua essência e, portanto, criado, do ser de Deus, idêntico à essência e, portanto, necessário. Os dois significados de ser não são unívocos, ou seja, idênticos, nem equívocos, isto é, simplesmente diferentes, entretanto são análogos, quer dizer, semelhantes, mas em proporções diversas.

 

Assim, embora se possa dizer a Razão em múltiplos sentidos, pela analogia pode-se remetê-los a uma ideia mais perfeita de Razão, constituída pelo saber filosófico, no seu exercício metafísico, como centro da estrutura analógica da razão, ou melhor, como seu analogado principal (VAZ, 1995). 

Entretanto, Lima Vaz destaca o progressivo abandono dessa estrutura como a ruptura mais profunda e importante na constituição da modernidade filosófica. A racionalidade moderna, tendo por base a visão empírico-formal da realidade, afastou-se da distinção aristotélica de razão e da analogia tomista (OLIVEIRA, 2013).

Vaz (1995, p. 65) afirma que essa estrutura começa a se desfazer ainda no século XIV, quando são manifestadas as primeiras ideias de uma nova razão, anunciada pela substituição da noção analógica pelo conceito unívoco de ser. O principal nome dessa ruptura é Duns Escoto, que renuncia à analogia e iguala o Ser infinito, que subsiste por si mesmo, aos seres finitos, que existem por outro (ANDRADE, 2016).

Aplicada ao intelecto, essa mesma noção unívoca dissolve a diferença entre os conhecimentos teórico, prático e poiético, de forma que a nova racionalidade, antes entendida como razão contemplativa do cosmos, se transforma numa razão artífice que constrói o seu próprio universo. Destaca Oliveira (2013, p. 38):

 

Se, por um lado, a diferenciação clássica da razão, tanto em Platão quanto em Aristóteles, aponta para a filosofia, saber teorético, contemplativo, como coroa de todos os saberes, por outro lado a Modernidade nasce, segundo Lima Vaz, com o projeto de reinscrever plenamente o universo, a vida, o ser humano e o agir nos códigos da razão científica.

 

De modo contínuo, a metafísica do ser analógico em Tomás de Aquino e a noção unívoca de Escoto se deparam com um conhecimento de caráter experimental, preocupado com a verificação empírica da realidade (ANDRADE, 2016). A corrente nominalista, desenvolvida ainda no século XII, recusa-se a admitir os conceitos universais, entendendo-os apenas como meros nomes, sem a possibilidade de encontrar correspondência numa realidade semelhantemente universal. Mais tarde, no século XIV, Ockham, com proximidade na discussão nominalista, entende a realidade a partir dos elementos puramente individuais, enunciados por nomes próprios e sem uma essência comum que os identifique:

 

[...] antes de mais nada, em contraste com as concepções aristotélicas e tomistas, segundo as quais o verdadeiro saber tem como objeto o universal, Ockham considera que o objeto próprio da ciência é constituído pelo objeto individual; [...] todo o sistema de causas necessárias e ordenadas, que constituíam a estrutura do cosmos platônico e aristotélico, cede seu lugar a um universo fragmentado em inúmeros indivíduos isolados, absolutamente contingentes [...] (REALE; ANTISERI, 1990, p. 617).

 

Não obstante, o desenvolvimento desses princípios teóricos impulsiona uma inversão no modo de conhecer. Conforme a tradição clássica e medieval, a primazia do ser sobre o objeto conhecido estabelece uma relação ontológica entre a representação subjetiva e sua referência objetiva. Por conseguinte, a racionalidade moderna, já presente no pensamento medieval, inverte a relação entre a representação do objeto e o ser. A face objetiva do objeto conhecido é submetida à primazia da representação como mera forma simbólica do conhecimento (VAZ, 1997).

É precisamente nesses termos que a modernidade se caracteriza pela intenção do homem moderno em refazer a morada simbólica de sua existência a partir das perspectivas da representação (VAZ, 1997). De acordo com Andrade (2016, p. 106), a fundamentação da racionalidade moderna não acompanha o Ser transcendente, mas se reduz à imanência do pensamento (cogitatio) no próprio sujeito.

A forma de conhecimento poiética, que se dirige aos objetos segundo a sua utilidade no campo da técnica, domina os saberes teorético e prático, de forma que a verdade e a bondade tornam-se um produto da atividade do próprio sujeito, caracterizado por um construtivismo em que o ser humano se torna o demiurgo da realidade:

 

[...] a submissão desses saberes à primazia da representação sobre o ser, teve como consequência a reordenação radical das linhas de inteligibilidade com que o homem pensa e interpreta a realidade: ele passa a estatuir normas, valores e fins de acordo com os princípios axiológicos por ele mesmo estabelecidos e que atendem sobretudo à satisfação das suas necessidades naturais ou artificialmente suscitadas. E ainda, ele opera uma inversão completa da direção do vetor metafísico do conhecimento, orientando-o para a imanência do próprio sujeito, ali onde se desenrola a laboriosa produção do objeto, escrevendo, assim, o primeiro capítulo da chamada metafísica da subjetividade (VAZ, 1997, p. 164 – grifos do autor). 

 

Dessa forma, a Modernidade se desenvolve como um período fortemente dominado pela ótica utilitarista e instrumental da razão. Sua racionalidade fabricadora, consoante Vaz, desconhece o mistério da existência, de forma que seu procedimento metodológico pode “[...] representar, explicar, transformar, modificar, organizar, projetar [...]”, mas não pode elaborar um sentido que realize plenamente a existência humana, pois “[...] a existência, no seu simples ato de existir, é irredutível aos procedimentos operacionais da razão humana” (VAZ, 2002, p. 102).

Essa relação é expressa com maior nitidez a partir do século XVII, na aceleração do processo de transformação do mundo natural num mundo técnico, instrumental. Segundo Vaz (2002), essa racionalidade operacional constitui o polo lógico da razão.

É na inversão entre o polo metafísico e o polo lógico da racionalidade moderna que se fragmenta o ser do homem e se permite a primazia do conhecimento técnico-científico (FERNANDES, 2015). Nesse sentido:

 

Estamos diante [...] de uma inversão que opõem diametralmente duas direções do vetor ontológico da razão, se assim é permitido falar. Uma primeira direção aponta para a transcendência absoluta do Esse, e foi seguida coerentemente por Tomás de Aquino. A segunda direção aponta para a imanência da representação, e por ela caminha a razão moderna (VAZ, 2002, p. 102 – grifos do autor).

 

Ao destacar esse aspecto imanentista da relação de objetividade do homem com o mundo, consideramos, portanto, o período da Modernidade como afirmação da realidade fechada à transcendência e à abertura ao infinito, causas diretas do abandono da dimensão espiritual que constitui o ser do homem (POZZO, 2014).

 

3.2 A fragmentação humana

 

Ao delinearmos o caminho intelectual que anuncia as bases da fragmentação humana ao longo da modernidade, não nos esqueçamos da complexa rede de acontecimentos que destacam esse período. Muito além de um desenvolvimento gnosiológico, o período que acabamos de abordar é marcado por outros diversos fatores no campo da cultura, da economia e da política. Sabemos, assim como Vaz (2002) e Franca (2019), que a modernidade se constitui de um extenso caminho de rupturas, reformas e revoluções que caracterizam a formação do mundo ocidental.

Entretanto, na medida em que a modernidade se envolve numa nova teia de complexidades, desejamos destacar, conforme Vaz (2014, p. 79), que “[...] as concepções do homem [...] tornam-se também mais complexas e passam a enfrentar o difícil problema da chamada ‘pluralidade antropológica’ [...] aparentemente, desagregadora de sua unidade”.

Como vimos, a racionalidade moderna se afasta do saber contemplativo e passa a estabelecer na imanência do sujeito a própria fundamentação do conhecimento. Pode-se dizer que a perspectiva antropológica deixa de ter uma referência cosmocêntrica ou teocêntrica, e passa a pensar o ser humano a partir de si mesmo, imanentizando sua relação de transcendência e estabelecendo-o como ponto de partida e campo próprio da investigação científica. Aponta Andrade (2016, p.107):

 

[...] com Descartes, a concepção de inteligência (noûs) e intuição do inteligível (noéton) desaparece, não havendo mais a possibilidade de uma subida da mente ao inteligível, ou seja, não há contemplação do ser porque é na imanência do sujeito pensante que se formula tudo e, assim, desaparece a possibilidade de se estabelecer uma relação analógica do conhecimento. Nesse sentido, por exemplo, tanto a liberdade humana quanto a divina se tornam uma coisa só pelo pensamento unívoco.

 

Andrade (2016), assim como Vaz (2014), ainda destaca que o desaparecimento dessa ideia de “inteligência espiritual”, como forma mais elevada do conhecimento filosófico, provoca o que aqui chamamos de abandono do homem espiritual, ou seja, a perda do centro de sua unidade, tendo a imagem do homem fragmentada pelos diversos reducionismos propostos pelas ciências humanas e da natureza.

A tentativa de elaborar uma resposta ao problema “o que é o homem?”, e de reorganizar sua estrutura ontológica a partir das ciências humanas, ganha diversos modelos epistemológicos que tentam atingir aquela ideia unitária de ser humano conforme os procedimentos metodológicos julgados capazes de explicar completamente a sua constituição (VAZ, 2014, p. 160).

Andrade (2016) explica que as diversas ciências que se comprometem com esse objetivo correm o eminente risco de deixarem-se cair no reducionismo, tomando um aspecto particular da manifestação visível do homem como única possibilidade de interpretá-lo. Destaca-se, entre essas tendências, a corrente naturalista, que reduz o homem a uma natureza estritamente material; a corrente culturalista, que impõem a originalidade da cultura como única explicação coerente do ser humano; e a corrente idealista, que prioriza a dimensão intencional do sujeito.

A vida do ser humano pode ser entendida sob essas perspectivas, mas não se reduz somente a elas, o ser humano é muito mais do que elas se limitam a descrever. Reduzir sua complexidade às suas manifestações visíveis, é enxergar apenas a superficialidade do homem.  Acusa Boff (2014, p. 43):

 

[...] tal visão favorece a ideologia sensual-materialista na medida em que considera a vida como coisa dos biólogos e dos médicos, quando se trata de vida individual; como coisa dos economistas e políticos, quando se trata da vida coletiva; como coisa dos ecologistas em geral, quando se trata da vida planetária; e como coisa dos psicoterapeutas, quando se trata da vida emocional.

 

Dessa forma, o ser humano é despersonalizado; ele deixa de ser “alguém” e passa a ser “algo” simplesmente biológico, ou meramente psicológico, descaracterizado de sua singularidade e dignidade mais profunda. Boff (2014) indica que, sem a unidade de suas categorias, promovida pelo espírito, e sem a integridade de suas relações, na abertura ao outro e ao transcendente, o homem não vive uma vida propriamente humana, antes ele vive uma vida bestial, ou mecânica, destituída de sentido.

 

3.3 O avanço material da sociedade

 

É inegável que as modificações econômicas, políticas e sociais da modernidade trouxeram grandes satisfações aos nossos dias. O extraordinário desenvolvimento material das civilizações, como nos lembra Martins (2008, p. 91), desde as grandes navegações, trouxe inúmeras oportunidades de expansão, não somente ao território, mas também ao conhecimento, a produção e a técnica.

Na Modernidade, o artesanal dá lugar ao industrial. A fabricação de objetos é acelerada como nunca visto antes, passando a ser a motivação da vida individual e coletiva. Concomitantemente, como afirma Martins (2008), o ter passou a ser exageradamente valorizado e desejado, visto que a posse do progresso material resulta na aparente criação de uma vida mais cômoda e luxuosa, que não só garante a sobrevivência humana, mas a envolve num manto de bem-estar.

Entretanto, tendo se afastado de sua abertura ao Transcendente, o ser humano não se contenta somente com a produção e o consumo de bens econômicos. Há, no seu interior mais íntimo, conforme Franca (2019, p. 18 – grifos do autor):

 

uma fonte perene de nobres inquietudes que nenhum progresso da civilização logrará um dia estancar. Ante a caducidade dos bens terrenos e o insaciável dos seus anseios, ante a atração irresistível de um ideal nunca realizado nas estreitezas e misérias da vida, ante o mistério insondável do infinito (tremendum e fascinosum) o homem sofre torturas indizíveis, angústias dum ser em anelos de realização da sua plenitude.

 

Diferentemente dos animais, o ser humano deseja a eternidade. A sua constituição ontológica como espírito o faz ser aberto ao Infinito, inteligente e livre, cuja vida é dom e vocação, vivida, em ótica maior, em vista de sua realização (BOFF, 2014).

Entretanto, o processo da Modernidade, como vimos, desvia o olhar humano das alturas e o aprisiona no horizonte da objetividade, da técnica, da produção, do consumo e do prazer. A força que domina a sociedade não se encontra mais na ordem espiritual. Na verdade, as grandes forças que movimentam e dominam a sociedade passaram a ser de ordem material. Boff (2014) aponta essa realidade como uma supervalorização do mundo material em detrimento da desvalorização do mundo humano. A ótica sensual-materialista propõe à sociedade valores absolutos como o dinheiro, o sexo, o conforto, a mídia e a fama.

Por mais que haja uma larga escala de produção, como nos nossos dias, e os objetos se multipliquem aos montes, eles não são portadores de fins e valores em si mesmos, na verdade eles estão inscritos sob a perspectiva da utilidade (VAZ, 1997).

À existência, conforme Martins (2008), associa-se o ter, como princípio de felicidade e sentido para a vida. Na verdade, cria-se uma ilusão de que a satisfação material consegue oferecer alívio aos anseios humanos. O caminho para o qual a modernidade nos leva é o da crise em meio a abundância, que se forma com o aumento da produção, da valorização do material e do quase total desaparecimento da contemplação. Como denuncia Vaz (1997, p.117):

 

Nosso século termina, pois, fazendo a experiência - uma experiência crítica no sentido literal do termo – de que nem a práxis produtora ou econômica nem a práxis histórica ou política, nem o retorno à natureza nem, evidentemente, a anomia generalizada apresentam-se como aptas para resolver o problema dos fins da cultura.

 

As diversas crises que vivenciamos hoje, sejam elas culturais, políticas ou econômicas, são constituídas por uma base muito maior e mais complexa em torno do ser humano. A fundante crise antropológica transpassa todas as manifestações que fazem parte da vida humana. Longe de ser um caminho de alienação, a reflexão sobre a transcendência nos faz mergulhar às raízes do ser humano, onde o próprio Absoluto está presente (VAZ, 1997).

Segundo Franca (2019), a crise que demonstramos aqui perpassa toda a realidade humana, uma crise da alma, mas também uma crise das instituições. Tanto o ser humano individual, quanto social – família, economia, política, Estado – é afetado por esse caminho de rupturas e fortemente marcado pelo vazio existencial. É o que nos ensina Franca (2019, p. 262):

 

Não sofremos só de um desequilíbrio econômico ou de uma organização política como em outras eras. Desorienta-nos uma crise espiritual que atinge os fundamentos da própria vida humana, pessoal e coletiva. Trata-se das razões supremas da existência. Debate-se uma visão da vida e do universo.

 

Dessa forma, conforme Pozzo (2014), Vaz demonstra uma desarmoniosa relação entre o desenvolvimento tecnocientífico e a ausência de um caminho espiritual que corresponda a necessidade ontológica do ser pelo Absoluto. Na medida em que a civilização constrói seu destino ao redor de mecanismos, instrumentos e recursos materiais para garantir sua sobrevivência e progresso, ela assiste dolorosamente o abandono de seu universo simbólico e de suas próprias razões de ser (VAZ, 1994, p. 12), de forma que avança sobre a contemporaneidade um vazio de sentido que clama por ser preenchido:

 

[...] nossa civilização mostra um corpo muito grande para uma alma muito pequena, parece evidente que esse grande corpo é formado, sobretudo pela enorme acumulação de meios e recursos materiais postos à disposição do homem, ao passo que a pequena alma permanece obstinadamente presa à razão puramente instrumental e incapaz de definir fins e valores adequados às dimensões e à audácia da aventura humana nesse mundo prodigiosamente dilatado (VAZ, 2011, p. 11).

Nesse sentido, o curso da Modernidade é alterado. Segundo Boff (2014), em vez de desaguar no oceano do Ser (Absoluto)[2], a humanidade foi parar no abismo do Não-ser (Nada), de forma que o fim da modernidade não pode ser se não a eliminação da reflexão sincera e radical em torno do sentido da existência (VAZ, 2002).

Assim, o niilismo parece-nos ser a marca que assinala o caso da Modernidade.  Esse dinamismo materialista em detrimento da dimensão espiritual do ser humano, coloca em risco valores, crenças, normas, saberes e a própria filosofia, levando-nos a questionar:

 

O que sobreviverá e terá vigência no próximo século desse acervo simbólico da nossa cultura em meio às fantásticas realizações que a técnica nos promete, e o que será recolhido definitivamente aos arquivos da memória histórica da humanidade? (VAZ, 2002, p. 240).

 

4       A NECESSIDADE DE AUTORREZALIÇÃO DO SER HUMANO

 

Como vimos, a vida segundo o espírito é, para Vaz (2014), a vida propriamente humana, na qual o homem se abre para a transcendência do ser e se ordena enquanto inteligência e liberdade, e a partir da contingência de sua existência se insere na história, com a missão de realizar-se enquanto pessoa.

Entretanto, surge no horizonte das problemáticas acima anunciadas, um questionamento próprio sobre o modo de vida humano: como pode o homem viver plenamente a vida segundo o espírito diante do largo desenvolvimento técnico, e do crescente protesto contra a categoria espiritual, que se espalha por todos os espaços da reflexão filosófica moderna e contemporânea? (VAZ, 2014).

De acordo com Oliveira (1989, p. 16), a crise anunciada pela modernidade desemboca, nos dias de hoje, numa crise de sentido. O homem não se vê mais inserido num todo maior, que lhe direciona o caminho, mas se encontra sozinho, condenado a ser e produzir a sua própria fonte de sentido.

Vaz (1995) expõe que essa crise encontra sua profundeza, não no terreno da produção dos bens materiais, mas no terreno da finalidade e das razões de viver. O tema do sentido ocupa um lugar de destaque na reflexão contemporânea, sendo de cunho existencial e, por conseguinte, caracteristicamente humano, pois o homem naturalmente se pergunta pelo sentido de sua vida, visto que: 

 

Descobrir o sentido na floresta dos sentidos possíveis é, pois, a tarefa por excelência do ser humano enquanto portador do lógos, pois só a ele, aberto constitutivamente ao ser e à verdade, é oferecido o supremo risco de enunciar o sentido verdadeiro e, assim, de interpretar as razões do ser em razões do seu próprio viver (VAZ, 1997, p. 167 – grifos do autor).

 

Para Frankl (2015), o problema que enfrentamos hoje é o sentimento abismal da falta de sentido, associado a um vazio interior. A tradição e o referencial de sentido são excluídos da vida humana contemporânea e seu afastamento do passado dissolve todo fundamento. Não há certezas, não há mais finalidade, não há um Absoluto. O espírito é desconsiderado juntamente com sua relação de transcendência.

De acordo com Oliveira (2015), a não existência de um fundamento metafísico, que dê sentido à existência é resultado daquela inversão, apresentada anteriormente, do polo metafísico para o polo lógico da razão e, consequentemente, da transcendência para a imanência do sujeito. As consequências da delineação da metafísica da subjetividade na aurora da Modernidade conduzem ao niilismo da contemporaneidade.

Não obstante, sabemos que este fenômeno não é claro o suficiente para que possamos expressá-lo em conceitos definitivos. Sua complexidade filosófica e cultural nos impele a não o definir, mas caracterizá-lo conforme as suas manifestações. Associa-se, portanto, ao que chamamos de niilismo, a dissolução de todo fundamento e finalidade humana; a redução do sujeito a mera função; e, principalmente, ao relativismo, que iguala a validade de todos os valores e juízos (OLIVEIRA, 2015).

Por consequência, resta ao ser humano um espaço como que vazio, ansioso por ser preenchido. Resta, ao mesmo tempo, uma diversidade de caminhos em meio a sociedade que o faz se perder e vagar em busca de não se sabe o quê. Afirma Oliveira (2015, p. 818): “A ruptura com os valores tradicionais coloca o ser humano numa situação de desorientação. Não há mais fins últimos capazes de justificar nosso agir e orientar o nosso caminhar”.

A possibilidade de não nos realizarmos, ou o risco permanente de ser ou não-ser, apresenta-se como uma tarefa constante, um desafio nunca acabado (VAZ, 1992). Como o homem pode viver plenamente sem um horizonte, uma estrela que o guie em sua aventura humana de autorrealizar-se, sem um eixo que explique a sua existência e a existência do cosmos, sem uma unidade interior que integre sua vida? Diremos assim como o gato de Cheshire disse à Alice: para quem não sabe onde ir, qualquer caminho serve (CARROLL, 2009).

Para Vaz (1992) não existe nenhuma outra frustração maior e mais penosa do que perder-se no caminho. A sensação de uma vida não realizada e da perda de tempo gera angústia, medo e desespero. Por consequência, na ausência de um caminho espiritual, o indivíduo elege ídolos que satisfaçam suas necessidades e indiquem uma suposta direção. Conforme Vaz (1997, p.83):

 

Experiências como as do prazer, da satisfação, da utilidade, dos ensinamentos da ciência, são assumidas como fontes de normas no campo da racionalidade ética à medida que o sujeito se mostra capaz de integrá-las no sistema de valores fundado sobre a sua decisão autônoma.

 

Dessa forma, a principal proposta que se apresenta para amenizar as angústias do ser humano está relacionada à satisfação dos sentidos. Quando os valores que regem a vida ficam entregues ao sujeito, já fragmentado e marcado pelo subjetivismo, ele tende a buscar aquilo que lhe for mais cômodo (OLIVEIRA, 2015).

A procura pela estimada felicidade, no mundo contemporâneo, encontra no hedonismo a mais fugaz realidade: o prazer, que deveria ser consequência e não meta das aspirações. Assim diz Frankl (2019, p. 97):

 

Se realmente víssemos no prazer todo o sentido da vida em última análise a vida parecer-nos-ia sem sentido. Se o prazer fosse o sentido da vida, a vida não teria propriamente sentido algum. Porque, afinal, o que é prazer? Um estado. O materialista – e o hedonismo costuma andar à mistura com o materialismo – poderia dizer inclusivamente: o prazer não é mais do que um processo qualquer que se opera nas células ganglionares do cérebro. E eu pergunto: só por causa desse processo valerá a pena viver, experimentar, sofrer, ou fazer o que ser que seja?

 

Diante da proposta sensual-materialista, o homem tenta preencher a lacuna deixada pelo abandono de sua dimensão espiritual. Sem um Absoluto verdadeiramente capaz de auxiliá-lo em sua jornada, o homem, centro do mundo, elege ídolos, dando a produção material do mercado um espaço inflado em seu coração (MARTINS, 2008).

Não obstante, a cultura do ter é incapaz de dar sentido à vida humana. Esses ídolos não passam de pseudo-absolutos, que carecem da densidade ontológica necessária para dar sentido a existência humana e satisfazer as inquietudes de seu espírito. De acordo com Vaz (1997) os bens materiais mascaram uma pobreza - per defectum - incapaz de atender à urgência do ser humano pela infinita riqueza ontológica - per excessum - do verdadeiro Absoluto.

Dessa forma, o vazio existencial é preenchido instantaneamente e somente oferece um prazer momentâneo, pois os produtos vão se remodelando conforme as necessidades do consumidor. Ao tentar buscar sua realização num objeto da linha X, o indivíduo se sente frustrado e ao mesmo tempo impelido a adquirir o novo objeto da linha Y, potencializado com um novo design e novas utilidades (MARTINS, 2008).

Se elevarmos essa situação a um grau extremo de exemplificação podemos encontrar algo semelhante no consumo de drogas: um indivíduo, esteja ele com problemas pessoais ou querendo se sentir mais “feliz”, a fim de preencher um vazio que nele existe, consome entorpecentes e se sente momentaneamente aliviado, satisfeito e preenchido, mas ao passar do efeito retorna à sua realidade e se entristece por não enxergar nela a alegria que desejava, então torna a usar os entorpecentes mais um vez, e assim sucessivamente (FERREIRA; MARX, 2017).

Esses aspectos apontados não são os únicos que afligem a humanidade. O abandono do homem espiritual manifesta outras características, como sugere Boff (2014): a depressão, o suicídio, a banalização do sexo, a violência, e até mesmo a corrupção. Uma sociedade regida somente pela concupiscência de seu apetite e pela subjetividade de seus indivíduos tende a um caos de ódio e discórdia, de choques entre sujeitos egoístas, medíocres e mesquinhos. Afirma Vaz (1994, p. 14):

O espetáculo que nos oferece a modernidade triunfante [...] é o do desencadear-se aparentemente incontrolável do não sentido da violência e da morte: violência brutal das armas e dos meios de destruição em massa, violência sutil da propaganda e da manipulação da informação, violência cega do terrorismo, violência silenciosa e universal da injustiça das relações políticas, sociais e econômicas entre indivíduos, grupos e nações; e o esgar insensato da “morte moderna” ao termo de todos esses caminhos de violência.

 

Assim, resignamo-nos, por ora, em demonstrar, através das consequências apresentadas, a necessidade de pensar os atos humanos numa unidade e, por conseguinte, apontar a possibilidade de realização e integração do indivíduo para além da fragmentação, a fim de iluminar o caminho de superação do subjetivismo e do reducionismo antropológico, da ausência de sentido e da sensação de vazio existencial, do hedonismo e de tantas outras manifestações inquietantes que atribulam nossa contemporaneidade.

Em acordo com Vaz (1992), desejamos ainda enfatizar que a experiência mais profunda do ser humano é a de realização da própria vida, não no simples ato de existir, mas na existência propriamente humana. Por conseguinte, vemos a urgência pela defesa da dignidade da pessoa contra os princípios teóricos apresentados que descaracterizam e reduzem a amplitude do ser do homem. Ao contrário dos objetos, que possuem valor pela sua utilidade, o ser humano, enquanto pessoa, é fim em si mesmo, tendo em vista que:

 

Cada pessoa é no universo uma obra prima que não se repete. E toda tentativa de reduzi-la incondicionalmente ao simples mister de instrumento a serviço de fins temporais – nação ou raça, partido ou Estado – é um pecado que introduz na harmonia das coisas a desordem de uma ruína de que nada nos poderá consolar (FRANCA 2014, p. 151).

 

O ser humano, portanto, não é um ser fracionário, constituído apenas de partes, mas se compõe de uma ordem complexa e unitária entre suas categorias ontológicas e sua relação com o mundo. Do corpo próprio ao espírito, da objetividade à transcendência, é a unidade ontológica da marca pessoal que caracteriza a autorrealização do sujeito numa significação de suas categorias em uma vida propriamente humana (VAZ, 1992).

Se a categoria do espírito coroa o discurso ontológico sobre o ser humano, a categoria da pessoa sintetiza suas estruturas e relações numa unidade entre a essência e a existência humana, ou melhor, entre o ser que é e o ser que se torna ele mesmo (VAZ, 1992). Melhor dizendo, a categoria da pessoa é a expressão da unidade final entre o corpo próprio, o psiquismo e o espírito, bem como sua relação de objetividade, intersubjetividade e transcendência, na qual o homem se significa a si mesmo e cumpre efetivamente o designo de seu ser no existir.

Dessa forma, Vaz direciona a resposta da pergunta antropológica “o que é o homem?” para a noção de pessoa, síntese admirável dos níveis de ser que se unem sem se confundir. Muito embora suas categorias o permitam estar-no-mundo e ser-no-mundo, ele não se reduz a isso. A constituição ontológica de suas estruturas e relações o impulsiona, assim, além da imanência e além da própria morte, como um-ser-para-a-imortalidade (VAZ, 1992, p. 229).

 

5       CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao término deste artigo, tendo apresentado os conceitos fundamentais da antropologia filosófica de Lima Vaz, delineamos um caminho para entender as bases da racionalidade moderna, que afastam a compreensão do ser humano como um ser uno, ordenado e dirigido pela categoria espiritual ao transcendente.

Desejando compreender essa realidade, que causa severas consequências aos dias de hoje, o esforço de nosso trabalho nos levou a entender o ser humano como constituído ontologicamente de corpo, alma e espírito e, ainda, aberto à relação com o mundo, na objetividade; com o outro, na intersubjetividade; e com o Absoluto, na relação com o transcendente. Vimos ainda que, somente através do espírito é que o homem pode viver uma vida plenamente humana, caracterizada pela unidade de suas categorias.

Entretanto, certos princípios teóricos, como a ruptura da estrutura analógica do ser, a inversão do polo metafísico para o polo lógico da razão, a primazia da representação sobre o ser, e a supervalorização do desenvolvimento material, foram fatores que permitiram compreender a fragmentação humana a partir das categorias antropológicas de Lima Vaz.

Dessa forma, o crescente pensamento técnico-científico e utilitário, apoiados na imanência do subjetivismo, impele a compreensão do ser humano através de esquemas que reduzem sua complexidade a um aspecto parcial de sua totalidade, compreendendo-o por vezes como coisa meramente corporal ou emocional, excluindo o espírito, núcleo de referência ontológica para a constituição integral de seu ser.

Por consequência, diante de um mundo inquieto e atribulado com uma diversidade de crises que afetam cada célula da sociedade, desde o indivíduo até as instituições sociais que ele cria e as quais pertence, o ser humano não conta se não com as técnicas da ciência, a produção de bens de consumo e a satisfação de seus sentidos, como suposto caminho para realização pessoal de sua existência.

Diante de sua eminente tarefa existencial de autorrealizar-se e sem a integração das estruturas e relações, o ser humano encontra-se perdido, de forma que somos levados a pensar na defesa da unidade de sua estrutura ontológica, que aponta para a autorrealização plena e verdadeira do homem enquanto pessoa, síntese metafísica da existência propriamente humana.

 

 

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VAZ. Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia VII: raízes da modernidade. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

 

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VAZ. Henrique C. de Lima. Morte e vida da filosofia. Pensar - Revista Eletrônica da FAJE, Belo Horizonte, v.2, n.1, p. 08-23, set. 2011. Disponível em: <https://faje.edu.br/periodicos/index.php/pensar/article/view/1052>. Acesso em: 25 mai. 2020.

 

VAZ. Henrique C. de Lima. Sentido e não sentido na crise da modernidade. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v.21, n.64, p. 05-14, jan. 1994. Disponível em: <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/1283>. Acessado em: 28 ago. 2020.

 



[1] “O espírito aparece, pois, em sua pré-compreensão, como uma estrutura dialética de identidade na diferença: identidade do ser e do manifestar-se do espírito [...]; diferença porque a manifestação implica para o espírito-no-mundo (ou espírito finito) a alteridade do objeto que se manifesta ao espírito e no qual o espírito se manifesta [...]” (VAZ, 2014, p. 211).

[2] “O infinito desses filósofos modernos será a ‘Substância’ para Spinoza, o ‘Eu absoluto’ para Fichte, a ‘Natureza’ para Schelling, o ‘Espírito absoluto’ para Hegel, a ‘Vontade de vida’ para Schopenhauer, a ‘vontade de potência’ para Nietzsche, a ‘Matéria’ para os materialistas, o ‘Todo’ para os panteístas, o ‘Acaso’ para Monod e cia., o ‘Abismo quântico’ para certos cientistas atuais e assim por diante. Mas todos esses “absolutos”, ‘transcendentais’ ou ‘infinitos’ estão longe de coincidir com o absoluto, a transcendência e o infinito que a philosophia perennis (sem falar de fé) identificou com o Deus vivo e verdadeiro” (BOFF, 2018, p. 168).  

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