Metafísica e ortodoxia sintática: algumas anotações sobre ser e linguagem

Luciano Donizetti*

“Falar significa pronunciar um som que significa o objeto pensado”
Sexto Empírico

“A linguagem é aquela que manifesta aquilo que era ou é”
Diógenes Laécio

O PRINCÍPIO

A crítica à metafísica não é novidade em filosofia. Dentre seus críticos o mais contundente foi Hume, para quem tal conto de fadas coloriria o resultado da experiência e do hábito; Kant, ao mostrar que o Ser não é um predicado real, termina o trabalho, designando com sua Arquitetônica da Razão o lugar – nem um pouco de destaque – para a metafísica. Mas ela, matriz inominada do pensamento filosófico desde os pré-socráticos, descobriu novos caminhos, reformulou-se e apesar de tudo se mantém até hoje como base de grande parte da indagação filosófica. Isso mesmo: parte, pois também não é novidade que atualmente a filosofia tem sua celeuma. Nesse sentido chama a atenção um paper, escrito por Carnap em 1932, que tem como alvo a metafísica de todos os tempos, em especial a contemporânea, expressa em Ser e Tempo (1926). Heidegger pretendeu ter encontrado na filosofia de Husserl uma maneira não dogmática de discursar sobre o ser; em suas palavras, a ontologia somente é possível como fenomenologia. E, note-se, essa ontologia é tributária de um livro que tem o insuspeito título de Investigações Lógicas (1900/1) – e quem conhece minimamente o teor do trabalho de Husserl certamente jamais o colocaria no pacote de autores pejorativamente metafísicos, ainda que em suas investigações apareça a preocupação com ontologias regionais e sua reunião numa ontologia geral.

Especificamente, Heidegger encontra no §45 da sexta investigação lógica referência direta à intuição categorial que, a par da kantiana intuição sensível, permitiria reconhecer estados de coisas no mundo. Ora, ser teria assim seu modo próprio de desvelar-se, sendo o Dasein aquele que questiona o sentido do ser em geral a partir de seu ser mesmo, perfazendo as funções de perguntado, questionado e interrogado nessa questão (Ser e Tempo, §2). A metafísica, dessa feita ontologia, torna à cena; e em menos de uma década ela terá sua contrapartida. É verdade que num trabalho pequeno, mas nem por isso menos devastador, no qual Carnap pretende, sem qualquer modéstia, mostrar que os enunciados tratados nesse domínio carecem totalmente de significado. Assim, toda a metafísica incluindo a ontologia heideggeriana não resistiria a uma análise lógica da linguagem; considerando que esse debate é datado da primeira metade do século XX, o que permite a nosso tempo a imensa vantagem de conhecer os desdobramentos dessas correntes filosóficas, parece interessante ao menos suspeitar: e se a pergunta for invertida? A análise lógica da linguagem resistiria aos questionamentos mais ingênuos da metafísica? Essas questões serão abordadas nesse artigo a partir de dois pontos: o fundamento da lógica e de todo conhecimento (ou relação) possível entre o que é e a linguagem; a questão do nada, ou seja, da impossibilidade do discurso linguístico totalizador numa totalidade bastarda (sem remissão ao nada).

Em grande medida esse é o atual estágio da filosofia: ela comporta uma espécie de fissura; melhor, quando se refere ao pensar filosófico é preciso dizer de onde se está falando. E a despeito da histórica e absolutamente fictícia rixa entre a filosofia ocidental e filosofia oriental (note-se SHOPENHAUER, 1980, e NIETZSCHE, 2000 e 2005, claramente influenciados pela metafísica oriental), essa ruptura se dá no seio mesmo daquilo que se convencionou chamar de Filosofia, ou seja, de dentro do pensamento ocidental. Coloquialmente, essa questão se apresenta na separação entre as filosofias continental e insular, cada uma representando uma facção da Europa Continental (Alemanha e França) de um lado, e a ilha (Inglaterra e, depois, EUA) de outro. É mesmo anedótica a relação entre esses dois âmbitos de uma mesma área do conhecimento, especialmente porque cada qual se esforça por desqualificar a oponente.

Há que se relevar ainda que, não raro, essa disputa é incitada por sua vertente insular, no mesmo sentido da rebeldia adolescente de quem se volta contra sua gentílica materna; ou, freudianamente, com intuito de matar seu pai para sentir-se homem. Não é de se espantar, afinal essa postura foi tomada pela ciência nascente nos séculos XVIII e XIX, pela psicologia positivista e pelas ciências sociais ainda no século XIX e no século XX. Pudera: aquilo que pode ser considerado continental abarca de fato um continente de conhecimentos. Assim, desde que Heráclito e Parmênides, nos idos da Filosofia da Physis, não entraram em acordo a respeito da compreensão do que fosse Ser que a filosofia pode, de um modo ou de outro, ter sua história confundida com a história da metafísica. Ou bem o ser é movimento, e tudo flui, ou bem o fluir é ilusório e o ser permanece. Está certo que Heráclito descreve o que a sensibilidade mostra, e isso deve ser considerado; mas Parmênides também mostra os absurdos lógicos decorrentes dessa teoria que coloca, num mesmo plano, ser e não-ser. E, conforme o viés da Razão, ele tem toda razão (ver BORNHEIM, 1998).

Cabem aqui desculpas pelo trocadilho, mas qualquer um que esteja minimamente familiarizado com os paradoxos de Zenão entenderá, perplexo, ante uma flecha que atirada jamais chega ao alvo, que se trata de uma questão para além do físico. Seja nomeada ou não, a metafísica confunde-se com o nascedouro do que se conhece como filosofia ocidental. É assim que Platão encaminhará seu pensamento para uma dualidade, como que duplicando o existente num mundo sensível, fonte do engano e do erro, e num mundo ideal, lugar de verdades eternas organizadas em torno do Sumo Bem (o que reúne num mesmo diapasão Heráclito e Parmênides. Ver PLATÃO, 1996). Aristóteles, por sua vez, mantém a univocidade do ser, mas para tanto instaura a noção de substância que, por suas características próprias, supera o problema da multiplicidade sensível ante a necessidade racional de unidade, mas o faz porque tal noção, embora sendo uma, abarca a totalidade do que pode vir a ser; noutras palavras, a substância é devir que jamais muda (ARISTÓTELES, 2001).

Esses mesmos questionamentos são, sem dúvida, a tônica da filosofia medieval em sua totalidade. Claro que isso não significa reduzir o medievo somente à questão ontológica do uno e do múltiplo; mas é fato que esse problema subjaz a todas as questões aí suscitadas. E, não se deve esquecer, a essa problemática acrescenta-se um problema de ainda maior envergadura: a identificação do Ser ao Bem e a necessidade de mostrar de que modo pode haver o mal no mundo uma vez que Deus é bom e ao mesmo tempo é a fonte de tudo que é, foi ou pode vir a ser (ver GILSON, 2001). O ponto culminante desse percurso se dá na modernidade, em filosofias como a de Descartes ou Espinosa, nas quais a metafísica é levada a seus limites e tomada, invariavelmente, a partir de noções do Divino como fonte da verdade e fundamento da ciência (Substância Infinita ou Natureza. Ver DESCARTES, 1973 e ESPINOSA, 1979). Mas é também moderna a mais contundente e decisiva crítica à metafísica: coube a Hume mostrar os absurdos aos quais o pensamento sem crítica leva, ou seja, o mero jogo de palavras. A improbidade em falar do transcendente sem jamais ter abandonado o plano da imanência acordou Kant de seu sono dogmático; e, enfim a metafísica, do jeito que tinha sido formulada até então, toma o último e decisivo golpe (conf. HUME, 1996 e KANT, 2001).

Mas ela renasce. É natural que o finito almeje a infinitude, que a imanência exija transcender-se; e foi justamente o que se passou com a filosofia de Heidegger a partir das leituras que ele fez de Husserl. Em suas Investigações Lógicas Husserl liberta o ser do juízo; para Heidegger esse é o caminho para superar a limitação da pesquisa ontológica, afinal nessas alturas Kant já havia mostrado que o ser não é um predicado real. Ora, que o ser não esteja no objeto é inegável; mas daí concluir que ele faça parte do mero juízo é algo não assentido pela filosofia contemporânea. Tem-se então o renascimento da metafísica; claro que não nos moldes clássicos, como era de se esperar. Então melhor nomeá-la ontologia, e nesse nicho podem ser incluídos além de Heidegger o próprio Husserl, Sartre e Merleau-Ponty (ver DA SILVA, 2012). A metafísica, agora ontologia, exige novamente seu espaço no plano filosófico e, enquanto tal, mais uma vez passa a ser combatida. De um ponto de vista bastante canhestro parece inaceitável que, em pleno século XXI, ainda se possa falar em ser, essência ou coisas do gênero; e de novo o diálogo entre surdos e cegos reinicia.

Difícil não tomar partido. Porém, soa esquisito o uso de argumentos estrangeiros para, em terra estranha, desfilar sabedoria. Por essa razão as observações que se seguem não têm a pretensão de responder ou defender seja que filosofia for: a metafísica, isso é certo, não carece desse esforço. Ainda assim é interessante colocar essas observações em pauta, por lacunares que sejam, e, dessa perspectiva, o diálogo entre surdos e cegos fica ainda mais evidente: do ponto de vista metafísico as indagações de Carnap carecem de sentido tanto quanto, a seus olhos, não faz sentido a estruturação da ontologia contemporânea. Que na prática essa dicotomia sirva para objetivos mais pragmáticos, como divisão de verbas ou desqualificação de colegas de trabalho, não é dessa alçada; esse trabalho pretende estar no plano filosófico e, enquanto tal prescinde dessas idiossincrasias. Mas a pergunta é válida: a metafísica tem algum sentido? Não para Carnap, afinal
Quando dizemos que os enunciados da metafísica são sem significado, tomamos essa expressão em sua acepção estrita. Numa acepção ampla da expressão, um enunciado ou uma questão é às vezes dita sem significado se é inteiramente estéril enunciá-la ou utilizá-la como uma pergunta. (...) Num sentido estrito, entretanto, uma sequência de palavras é sem significado se não constitui, dentro de uma linguagem específica, um enunciado. À primeira vista, pode acontecer de uma sequência de palavras aparentemente constituir um enunciado; nesse caso, nós o chamaremos de um pseudoenunciado. Nossa tese, portanto, é a de que a análise lógica revela que os pretensos enunciados da metafísica são na verdade pseudoenunciados (CARNAP, 2009, p. 294).
A metafísica não é algo desprezível, conforme sugeriu Hume; para Carnap ela é apenas uma empresa inútil, referta de pseudoenunciados. Pois bem, já é tempo de inverter a seta e propor questões metafísicas à análise lógica da linguagem. O intuito não é outro senão avaliar o problema de outra perspectiva, conforme seria a expressa recomendação de Nietzsche e seu perspectivismo, algo que certamente foi incorporado pela Fenomenologia e, parece, ignorado pela filosofia da linguagem (NIETZSCHE, 2005).

A QUESTÃO DO FUNDAMENTO E A TOTALIDADE BASTARDA

A questão, ao que parece, é epistemológica; e Carnap, malgré tout, não negaria que é um homem (seja lá o que isso queira dizer), que é reconhecido socialmente a partir de um corpo (mesmo que nada de válido possa ser dito sobre a intersubjetividade), que foi iniciado numa língua a partir da qual apreendeu certa linguagem (mesmo que tudo o que foi feito antes seja considerado decorrência da linguagem mesma e não de sua existência enquanto homem). Enfim, isso não parece problematizado e nem mesmo tido como problema: concedamos então reduzir tudo o que a metafísica tematiza (nessa visão no mínimo reduzida), como mundo, homem, consciência, existência, etc., à linguagem. Noutros termos, para que não paire dúvidas sobre o que está em jogo, mundo, homem e existência no mundo são apenas conceitos. E isso em que pese que tanto Carnap como Heidegger escreveram porque foram homens no mundo; ambos, enquanto homens-no-mundo, puderam relacionar-se com entes intramundanos, foram inseridos numa linguagem e, por isso, comunicam-se.

Entretanto o primordial é a organização de proposições, colocadas umas ao lado das outras; e, por isso, Carnap pode, por uma análise da linguagem, mostrar que aquelas proposições de Heidegger são desprovidas de sentido. Melhor não perguntar ainda, para evitar constrangimentos metafísicos, de onde nasce essa linguagem; não é da relação daquilo que se entende coloquialmente como eu (Ego, Consciência, Razão, Entendimento, Alma, etc., são desprovidos de sentido) e, ainda menos, daquilo que se chama mundo (em-si, noumeno, substância, etc., que também não têm sentido). A linguagem seria como que algo físico? Afinal ela tem sentido (ou ao menos possibilita o discurso) enquanto o metafísico é desprovido de significação; não seria o caso de, conforme faz Wittgenstein, dizer de onde se tece discurso tão eloquente? Afinal, para ele “O homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais se pode exprimir todo o sentido, sem fazer ideia de como e do que cada palavra significa – como também falamos sem saber como se produzem os sons particulares” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 164).

Não. Carnap, ao menos no texto em questão, não se preocupa com isso; na verdade para “nossos propósitos podemos ignorar completamente a questão que diz respeito ao conteúdo e à forma das sentenças primárias (protocolares) que ainda não foram completamente estabelecidas” (CARNAP, 2009, p. 295). Diferentemente disso Wittgenstein não se furta a afirmar o caráter mágico da linguagem, parte do organismo humano e tão complexa quanto ele; e, ademais, “A proposição é uma figuração da realidade: pois sei qual é a situação por ela representada, se entendo a proposição” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 169). Carnap, a seu turno, não desconhece essa correlação, afinal “Na teoria do conhecimento é comum dizer que as sentenças primárias se referem ‘ao que é dado’; mas não existe unanimidade sobre a questão do que é dado” (CARNAP, 2009, p. 295). De fato: pode-se partir das qualidades simples, ou das experiências gerais e de sua similitude.

Mais do que isso, para Carnap não é cabível admitir que sentenças primárias se referem a coisas; e isso, ao que parece, em detrimento da fenomenologia (nesse caso Husserl, em suas Investigações Lógicas, da qual Heidegger é tributário); mas essa é, também, a prerrogativa de Wittgenstein. Doutra maneira como entender que em seu Tractatus o filósofo tenha escrito que o nome significa o objeto (3.203) ou, ainda, que a figuração vai até a realidade (2.1511)? Não importa. Para Carnap
é certo que uma sequência de palavras tem um significado apenas se as relações de dedutibilidade entre sentenças protocolares são fixadas, quaisquer que sejam as características que as sentenças protocolares possam ter; e da mesma forma, que uma palavra é significativa apenas se as sentenças nas quais ela possa ocorrer são redutíveis a sentenças protocolares. Já que o significado de uma palavra é determinado por seu critério de aplicação (...), a estipulação dos critérios elimina a possível liberdade de alguém para decidir o que quer ‘significar’ com a palavra (CARNAP, 2009, p. 296).
Nota-se que Carnap reduz a significação à relação entre sentenças protocolares e, assim, fica no mínimo difícil aceitar que haja qualquer relação dedutível entre o mundo (as coisas em geral) e as proposições; no mesmo ato não há sequer liberdade para significar as palavras.[1]

Mas se Carnap estiver certo, como entender que a linguagem não seja resultante de estados de coisas? Ou melhor, que lugar tem nessa doutrina o chamado mundo da vida que, por mais que se negue no discurso não pode ser superado de fato? Doutrina sim, afinal não se pode esquecer que ao promover a separação entre ser e linguagem Carnap, consciente ou não, adere a uma corrente epistemológica como meio de responder a uma das questões fundantes da filosofia da linguagem, qual seja, como a linguagem se relaciona com o mundo? Considerando-se que para Carnap “Se a palavra recebe um significado exato, o critério de aplicação deve ser preservado” porque “O significado está implicitamente contido no critério; tudo o que resta a ser feito é tornar o significado explícito” (CARNAP, 2009, p. 296), como entender que sua filosofia prescinda dos estados de coisas? Vejamos.

A primeira condição para que algo tenha sentido é seu uso: tago, conforme mostra Carnap, não pode tê-lo, mas tego sim, desde que possa ser identificado com quadrangular. Mas quadrangular, por sua vez, remeteria a ângulo e quatro e esses, por sua vez, ao mundo. E mundo, por exigência lógica (talvez não caiba aí o absurdo princípio de não contradição) exige algo distinto de mundo, embora a ele unido, a quem quatro e ângulo possam aparecer. Melhor não perguntar como ou o que faz com que essas coisas, que podem ser encontradas no mundo, permaneçam como são e possam, a cada vez que alguém a elas se direciona (empiricamente), aparecer sempre do mesmo modo. Até porque isso não tem importância alguma para o filósofo; lida-se aqui no exclusivo e restrito plano da linguagem. Mas parece claro que o lógico decide pela sensibilidade e causalidade, absolutamente questionáveis, como meio de validar proposições; na contrapartida, e se isso for um erro ambos em extremos opostos o comentem, “O metafísico conta-nos que as condições de verdade empíricas não podem ser especificadas; se apesar disso ele pretende ‘significar’ algo com elas, sabemos que isso é meramente uma ilusão associada a imagens e sentimentos que, no entanto, não confere um significado à palavra” (CARNAP, 2009, p. 298).

Consequentemente, a mera inversão da perspectiva acima mostra que o lógico conta-nos que é possível especificar as condições de verdade empíricas sem se dar conta da ilusão de que isso seja Verdade; constituem ficções lógicas, como diria Nietzsche, e isso fenomenologicamente é preciso respeitar, acreditam nelas. Não fica evidente a vantagem que teria um ateu, que acredita na não existência de Deus, em relação ao teísta, que acredita em Deus. Mesmo assim vale dar vazão a tal perspectiva:
Para descobrir o significado da palavra ‘princípio’ nessas questões metafísicas devemos perguntar a um metafísico sob quais condições um enunciado da forma ‘x é o princípio de y’ seria verdadeiro e sob quais condições seria falso. Ou seja: perguntamos pelo critério de aplicação ou pela definição da palavra “princípio” (CARNAP, 2009, p. 297).
Ainda segundo Carnap o metafísico teria três caminhos, todos viciados, para responder tal questão: primeiro, tratar-se-ia de estabelecer uma correlação entre x e y, como um surge do outro, ou que o ser de um repousaria sobre o outro ou, ainda que um teria sua existência retirada de outro.[2]

Mas, e isso é decisivo, “O metafísico, no entanto, diz-nos que não pretende dar o significado através de uma relação empiricamente observável” (CARNAP, 2009, p. 297); em parte o filósofo tem razão, afinal, se assim fosse, que diferença haveria entre tais proposições e aquelas meramente empíricas? Porém, e isso Carnap ignora, não se trata de mera observação; Heidegger mostra, inequivocamente, que a relação não é de conhecimento (conforme seria decorrente de observação), mas uma relação de ser: fenomenologicamente o Dasein não observa o ser, mas ele o é. Do mesmo modo o homem não sobrevoa o mundo, conforme o faria uma alma penada, mas está entranhado nele, sendo-o. A própria colocação da questão do sentido do ser em geral o mostra a contento:

Todo questionamento é uma procura. Toda procura retira do procurado sua direção prévia. Questionar é procurar cientemente o ente naquilo que ele é e como ele é. (...) Nós não sabemos o que quer dizer ‘ser’. Mas quando perguntamos o que é ‘ser’ nós nos mantemos numa compreensão do ‘é’, sem que possamos fixar conceitualmente o que significa esse ‘é’ (HEIDEGGER, 1988, pp. 30-1).
Justamente por isso a fenomenologia de Husserl é condição sine qua non para a retomada do discurso sobre o ser na contemporaneidade: fenomenologicamente descreve-se o ser-no-mundo a partir do sendo, do movimento intencional que o homem é; ou, em termos heideggerianos, o ente é tudo aquilo de que falamos, com o que nos comportamos e é também o que e como nós mesmos somos.

Enfim, se a principal dificuldade que envolve linguagem está em mostrar a relação que se pode estabelecer entre o sinal linguístico e aquilo que ele designa, é preciso atentar para o erro de princípio da crítica carnapiana à ontologia contemporânea; claro que ele acerta em relação à modernidade, em especial quando analisa a filosofia de Descartes. Invariavelmente o convencionalismo moderno recorre a um terceiro termo entre objeto e linguagem (signo, significante e significado), o que leva às noções de representação ou ideia. E, pode-se dizer, o segundo Wittgenstein parece retomar a tese convencionalista clássica; em suas Investigações ele parte da equivalência dos jogos linguísticos devido ao fato da arbitrariedade do uso dos signos que geram uma infinidade de jogos aos quais se pode nomear linguagem (WITTGENSTEIN, 1975).

O ideal da linguagem está, para Wittgenstein, no seu uso, na realidade da mais vaga das proposições; ora, isso significa afirmar o caráter necessário da relação entre o sinal linguístico e seu objeto. Também Heidegger apresenta uma compreensão da linguagem que elimina todo e qualquer ponto intermediário entre o sinal linguístico e sua designação. Mas diferentemente de Wittgenstein, para Heidegger isso não se deve ao fato da linguagem resultar de uma convenção; ela é essência do ser das coisas: o homem é pastor do ser, enquanto a filosofia pensa o ser a partir do ente; “O ser mesmo é a relação, na medida em que retém, junto a si, a ec-sistência em sua essência existencial, isto é, ec-stática, e a recolhe junto a si como o lugar da verdade do ser, no seio do ente” (HEIDEGGER, 1973, p. 356). A linguagem expressa o é, o era, e desse modo ela é a morada do ser, o que curiosamente leva sua filosofia a aproximar-se de Wittgenstein. Obviamente que não se trata das referidas Investigações, mas sim do Tractatus (1922).

O homem não é distinto do mundo; mas o ser das coisas, de si mesmo e em geral, não lhe é de todo alheio, visto que ele mesmo o é. Não por acaso Wittgenstein afirma que “um nome toma o lugar de uma coisa, um outro de uma outra coisa, e estão ligados entre si, e assim o todo representa – como um quadro vivo – o estado de coisas” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 171). Fenomenologicamente, conforme teria mostrado Husserl, a intuição categorial ocorre no mesmo ato da intuição sensível. É assim que “O ser não é nada dentro do objeto, nenhuma de suas partes, nenhum momento a ele inerente, nenhuma qualidade ou intensidade, como também nenhuma figura, nem absolutamente nenhuma forma interna, nenhuma característica constitutiva, como quer que seja concebida” (HUSSERL, 1975, p. 111), o que corrobora a exigência de Carnap em consonância com a filosofia de Kant. “Mas o ser também não é nada de aderente ao objeto, assim como não é uma característica real interna, não é também uma característica real externa e por isso não é absolutamente nenhuma 'característica', no sentido de uma característica real” (HUSSERL, 1975, p. 111). O ser, o fundamento da ontologia contemporânea, é descrito a partir do estado de coisas, do mundo enfim.

Ainda nessa perspectiva Carnap mostra que a palavra – no caso ele analisa a evolução do termo princípio (o mesmo caberia ao ser) – perde seu sentido na medida em que passa ao uso metafísico; a palavra é, assim, destituída de seu significado e, por falta de rigor, acaba como uma espécie de concha vazia. Além disso, “Devido a um período anterior de uso significativo, ela ainda está associativamente conectada a várias imagens mentais; estas por sua vez serão associadas a novas imagens e sentimentos no novo contexto de uso. Mas isso não torna a palavra significativa; e ela permanece sem significado, já que nenhum método de verificação pode ser descrito” (CARNAP, 2009, p. 297). Note-se: um homem mora num terreno de 60m² e gostaria que esse fosse maior; basta mudar o metro com que faz a medição de 100 para 80 cm. O terreno, magicamente, iria para 75m² ou mais, bastando para isso reduzir novamente o tamanho do metro. É interessante estabelecer regras empíricas para decidir a validade do significado de uma palavra e, por consequência, de uma proposição, e de posse desse metru iniciar a medição; mas as proposições protocolares são de fato o indicativo da verdade de algo? Donde nasce a linguagem senão da experiência do mundo?

Isso poderia convencer, desde que a ciência seja de antemão portadora da Verdade; mas se assim é, não há mesmo espaço para ao menos problematizar o empírico, a sensibilidade? Filosofia tem muito disso: caso se admita um princípio sem exigir sua demonstração acaba-se tendo que reconhecer como válida a aberração de uma sintaxe que, porque desligada do mundo, pode prescindir do ser e do nada; a consequência não é outra que uma espécie de totalidade que prescinde do nada. Mas para Carnap “Se o significado de uma palavra não pode ser especificado, ou se a sequência de palavras não está de acordo com as regras da sintaxe, então alguém nem mesmo respondeu a uma questão” (CARNAP, 2009, p. 302). Nesse caso o resultado é uma ditadura da linguagem, ou simples crença na gramática – conforme diria Nietzsche (NIETZSCHE, 2005). O resto vem por consequência. Mas como, senão por coação ou ortodoxia, aceitar abrir mão de todos os problemas de teoria do conhecimento ou resumi-los tão somente a regras lógico-gramaticais e, o que causa espanto, satisfazer-se com isso? Em termos válidos, aceitar a gramática como régua da verdade dos enunciados sem permitir qualquer espaço que seja de problematização da sensibilidade leva às conclusões sobre os termos metafísicos utilizados por Heidegger (e por toda a metafísica); mas isso, como princípio, retira de onde sua validade? Da fé perceptiva, o que leva de imediato a uma modalidade de realismo ingênuo que definitivamente impede qualquer diálogo; ou, leva à totalidade bastarda, conforme já referido. Melhor, do ponto de vista metafísico, torna esse debate tolamente (e totalmente) desinteressante.
“O que dizer desse Nada? – O Nada nadifica.” Para mostrar que a possibilidade de formar pseudoenunciados tem como base um defeito lógico da linguagem, estabeleceremos o esquema abaixo. (...) Sua falta de sentido [nonsensicality], porém, não é óbvia, a princípio, pois alguém facilmente é convencido por meio de sentenças significativas IB. A falha de nossa linguagem aqui identificada está, portanto, na circunstância de que, em contraste com uma linguagem logicamente correta, são admitidas pela mesma forma gramatical sequências de palavras significativas e não significativas (CARNAP, 2009, p. 300).
É importante notar, a partir disso, que Carnap fala de conhecimento, de regras de sintaxe, de significados, de conceitos. Mas conhecer é diferente de ser ou existir; pois bem, uma pergunta: encontro objetos no mundo, mundo que é tudo o que é o caso (Tractatus, 1), e esses objetos compõem um estado de coisas (Idem, 2.01); assim, não se pode pensar em nenhum objeto fora de um estado de coisas (Idem, 2.0131). Isso requer que “se uma coisa não é distinguida por nada, não posso distingui-la, pois, caso contrário, ela passaria a estar distinguida” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 139, grifo nosso). Assim, a pergunta: o que leva as tais coisas (ângulo, quatro, etc, conforme exemplo supracitado) a serem distinguíveis senão a remissão ao nada? Note-se que Wittgenstein incorre, com sua ingenuidade lógica (do ponto de vista de Carnap, obviamente), nesse erro. Pois se a totalidade de coisas existentes é o mundo (Tractatus, 2.04), se a realidade total é o mundo (Idem, 2.063) e se esse mundo tem coisas e objetos, seria ao menos sensato perguntar a maneira pela qual essas coisas se tornam fonte de significados tão precisos no plano da linguagem.

Claro que com isso não se tem nenhuma pretensão de fazer uso da simplória metafísica heideggeriana; mas se Wittgenstein tiver alguma razão, no sentido de que “A figuração lógica pode afigurar o mundo” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 145) e, assim, “A figuração tem em comum com o afigurado a forma lógica de sua afiguração” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 145), parece razoável admitir que primeiro tem-se um mundo e, nele, homens; apenas depois, desse mundo, homens constituem linguagem. A lógica afigura isso que foi chamado mundo, homem e, como consequência, linguagem. Se isso fizer algum sentido (imagina-se que homem e mundo possam, numa análise exaustiva do tipo daquela que foi feita com a noção de nada, mostrarem-se conceitos vazios e não dotados de significação), se for possível admitir que a linguagem é expressão de outra coisa, se – e somente se – a questão não estiver num plano de total e absoluta ortodoxia ou de declarada opção pela ingenuidade de um realismo que admite um mundo de coisas independentemente de homens, pergunta-se: o que há entre uma coisa e outra? Nada?

Não. Nada é como parece. Nem mesmo a certeza do Cogito cartesiano poderá resistir, afinal para Carnap “notamos dois erros lógicos básicos. O primeiro está na conclusão ‘eu sou’. O verbo ‘ser’ indubitavelmente é encontrado aqui no sentido de existência; pois uma cópula não pode ser usada sem predicado” (CARNAP, 2009, p. 304). A certeza do ponto de partida metafisico é invalidada; mas a questão suscitada acima permanece: qual seria o ponto de vista da análise carnapiana? É bastante conhecida a crítica ao ponto de vista absoluto, de Hegel, por exemplo. Mas parece que Carnap propõe algo ainda mais estrambótico: falar do ponto de vista da linguagem, da sintaxe mesma. Ao menos é a isso que a continuidade de seu texto remete:
O que se segue de “eu penso” não é “eu sou”, mas “existe algo que pensa”. A circunstância em que nossa linguagem expressa a existência por um verbo (“ser” ou “existir”) em si mesma não é uma falha lógica; é apenas inapropriado, perigoso. A forma verbal facilmente nos conduz à concepção errônea de que a existência é um predicado. Isso leva a modos de expressão logicamente incorretos e sem sentido, como foi examinado (CARNAP, 2009, p. 304).
Porém, na contramão dessa megalomania, tanto Wittgenstein como Heidegger tomam o cuidado de não inverter o princípio das coisas. Parece mais adequado que o homem possua a capacidade de construir linguagem (Tractatus, 4.002) ou que a ciência seja um conjunto de sentenças verdadeiras resultante da atitude do ente homem, aí nomeado Dasein (Ser e Tempo, § 4).

A ontologia contemporânea, ou segundo Carnap, a metafísica heideggeriana, segue as trilhas da chamada filosofia continental; ainda assim, e isso se espera que esse artigo tenha mostrado, o diálogo com a tradição insular não é de modo algum impossível. Ao contrário, ele é extremamente interessante e profícuo; espera-se que também isso tenha ficado patente através da esquemática aproximação proposta entre Wittgenstein e Heidegger, a despeito de suas diferenças.[3] No caso em voga, de Heidegger, para quem o homem é pastor do ser e “O ser mesmo é a relação, na medida em que retém, junto a si, a ec-sistência em sua essência existencial, isto é, ec-stática, e a recolhe junto a si como o lugar da verdade do ser, no seio do ente” (HEIDEGGER, 1973, p.356), e Carnap, para quem “‘ser’ ou ‘não ser’, que desde tempos imemoriáveis tiveram grande importância na metafísica, têm a mesma origem [contrasenso]. Em uma linguagem logicamente correta, essas formas não podem nem mesmo ser construídas” (CARNAP, 2009, p. 304), isso pode ser bastante difícil. Para tanto será preciso alguns milagres: o cego, que não o ser precisará abrir seus olhos; o surdo, que não ouve mais que o eco daquilo que é, precisará ouvir a linguagem.

DE NOVO AO PRINCÍPIO (CONCLUSÃO)

Do ponto de vista daquilo que é considerado metafísico (e talvez wittgenstainiano) há aí uma ordem: mundo e homem, homem e mundo, linguagem. Não é por acaso que a lógica afigura o mundo. É assim, ao menos do ponto de vista do Tractatus, que “A figuração concorda ou não com a realidade; é correta ou incorreta, verdadeira ou falsa” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 147), e não em decorrência de regras de sintaxe (oriundas daquilo que foi nomeado mundo, que é tudo o que é o caso). Além disso, aquela análise da validade de uma expressão pela identificação de determinada palavra vai de encontro à necessidade de que “Só os fatos podem exprimir um sentido, uma classe de nomes não pode” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 149). Desse ponto de vista “Só o Ser deve ser investigado – e nada mais; o Ser isolado e mais – nada; apenas o Ser, e além do Ser, nada” (CARNAP citando HEIDEGGER, 2009, p. 300). Nesse aspecto chama ainda mais atenção a nota de rodapé proposta por Carnap, na mesma página supracitada, de que ele utiliza citações de Heidegger, mas que ele poderia ter selecionado passagens de qualquer outro dos numerosos metafísicos, do presente ou do passado.

Que seja. Mas para tanto é preciso desconsiderar o Fato: há mundo; há nada no mundo, pois de outro modo o mundo seria compacto, maciço, indecifrável – não seria mundo. Sem nada não há coisas, afinal esse coincide com aquilo que perfaz a pera, a borda, os limites de tudo o que é o caso; e mundo, que é a totalidade de tudo que é o caso, se faz de coisas. A consequência bizarra dessa lógica é que não há mundo, o que, no limite, contraria o fato, afinal para Wittgenstein o nome substitui, na proposição, o objeto (Tractatus, 3.22), ou seja, quando faço tage ser compreendido porque o associo a quatro lados, ele substituirá na proposição aquilo que se encontra no mundo e foi, uma vez trazido para a linguagem, considerado quatro e lado; mas o que há entre três, quatro e cinco? Como é possível, a partir daquilo que se encontra no mundo, falar de lado sem que se explique, pergunte-se ou admita-se a pergunta sobre o que, não na proposição, mas no mundo, corresponderia àquilo que faz o lado um, dois, três e quatro? Especialmente se for considerado que “Os objetos, só posso nomeá-los. Sinais substituem-nos. (...) Uma proposição só pode dizer como uma coisa é, não o que ela é” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 151). A metafísica, parece, está sendo substituída por uma ditadura da sintaxe baseada numa ortodoxia da significância.

Enfim, Carnap deveria responder, para que possamos acreditar nele, o que faz uma coisa ser o que ela é (seus limites em relação a outras), o que faz mundo e homem, o que faz Ser; que toda a metafísica, de Platão a Heidegger, seja invalidada num paper de dezessete páginas é perfeitamente aceitável; mas porque não dispender um pouquinho mais de tempo para explicar, em uma ou duas páginas (parece que não seria preciso mais do que isso), a partir de onde ele tece discurso tão contundente contra todo tipo de metafísica? Claro, isso supondo que ele seja um homem, que seja reconhecido socialmente a partir de um corpo e iniciado numa linguagem. De outro modo não compartilharíamos nenhum princípio, nem o mesmo mundo. Não haveria diálogo e a despeito do sem sentido, Nada – mais uma vez o nada – a debater.


AUTOR
Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (1999), mestrado em História da Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Federal do Paraná (2002) e doutorado em História da Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (2006). Atualmente é professor de Filosofia na Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, no Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Filosofia. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Contemporânea Francesa, atuando principalmente nos seguintes temas: Fenomenologia, Existencialismo, Subjetividade e Liberdade.

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[1] Em Ser e Tempo a linguagem assume papel condutor na analítica existencial; como se trata de aproximar-se da questão do sentido do ser em geral, a linguagem não se resume a um sistema fechado de referências, mas à compreensão da dimensão pré-ontológica da linguagem ligada à explicitação do mundo como horizonte da transcendência. Nas palavras do filósofo: “A Metafísica cerra-se para o simples dado essencial de que o homem somente desdobra seu ser em sua essência, enquanto recebe o apelo do ser. (...). Somente deste morar ‘possui’ ele ‘linguagem’ como a habitação que preserva o ec-stático para sua essência. O estar postado na clareira do ser denomino eu a ec-sistência do homem” (HEIDEGGER, 1973, p. 352).
[2] A filosofia de Heidegger é fenomenológica; o método fenomenológico recorre à epoché (colocação entre parênteses da tese da atitude natural) para tornar possível a manifestação de essências. Noutros termos, as coisas mesmas manifestam-se. É assim que a verdade fenomenológica evidencia-se pelos e nos objetos mesmos (conf. seria para HUSSERL, 2006, § 136). É a partir daí que Heidegger propõe sua tese da verdade como desvelamento de ser; somente ao homem a verdade pode revelar-se e se revela (HEIDEGGER, 1988, § 44). Ora, isso significa (conf. WITTGENSTEIN, 2001) que o lugar da verdade não é o juízo, que ela não se confunde com predicação, mas consiste no ser descoberto, no ser das coisas (HEIDEGGER, 1973, pp. 321-23 e HEIDEGGER, 1988, §44).
[3] O saudoso Bento Prado Júnior, já perto do fim de sua vida, trabalhava justamente essa temática em suas aulas na Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, em 2006 – preleções que tive o prazer de acompanhar. Essa aproximação resultou num trabalho de grande envergadura intitulado A Ipseidade e suas formas de expressão, até onde sei ainda não publicado. No prefácio lê-se: “Tanto em um como em outro [CAVELL e CLARK], uma mesma operação é realizada: em lugar da oposição entre a epistemologia clássica e o ceticismo, temos a oposição, que dissolve a anterior, entre vida quotidiana e filosofia ou entre o uso comum e o uso teórico da linguagem. É do ponto de vista do uso comum da linguagem ou da perspectiva da vida quotidiana (do Lebenswelt ou do Alltäglisches Umwelt, dir-se-ia numa tradição diferente [Fenomenológica]) que as questões da filosofia podem ser des-dramatizadas” (PRADO JR, s/d, p. 5). É justamente aí que, parece, uma intervenção é cabível: é preciso acabar com o dramalhão dessa celeuma no seio do pensamento ocidental. Claro que não se trata de constituir um novo Acordo Universal (como o Grande Racionalismo da Modernidade), mas sim de retomar o debate; e se isso ajudar numa melhor divisão de financiamentos ou na promoção do respeito nos Departamentos de Filosofia entre pesquisadores insulares ou continentais, já terá valido o esforço.




FEIRA DE SANTANA-BA | nº 1 | vol. 1 | Ano 2015
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