José Ortega y Gasset e seu entorno: uma filosofia das circunstâncias

 Revista Sísifo. N° 13, Janeiro/Junho 2021. ISSN 2359-3121. www.revistasisifo.com

 

 

HELENO, Gilberto. Ortega y Gasset. São Paulo: Ideias e Letras, 2019. 272 p.

 


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José Mauricio de Carvalho

 

Professor titular aposentado da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), Professor do Centro Universitário Presidente Tancredo Neves - UNIPTAN, membro do Instituto de Filosofia Brasileira, do Instituto de Filosofia Luso-brasileira com sede em Lisboa, da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos. É consultor dos periódicos Saberes Interdisciplinares; Educação e Filosofia; Thaumazein; Prometeus e Educação e Saúde, fundamentos e desafios. Tem experiência como professor de Filosofia, com ênfase em Filosofia Contemporânea: cultura, educação, ética e fenomenologia e como Psicólogo Clínico, atuando em consultório.
 
 
 

Ortega y Gasset é o objeto deste livro de Gilberto Heleno. Trata-se de um filósofo espanhol, que viveu entre 1883 e 1955, cujo pensamento é importante para entender nosso tempo. Isso especialmente por sua compreensão de que o problema filosófico contemporâneo mais significativo é o homem em seu mundo, o grande tema da filosofia do século passado e do atual.

O capítulo inicial tem por título José Ortega y Gasset e suas circunstâncias. Nada mais orteguiano, pois o pensador consagrou a expressão: “eu sou eu e minha circunstância, se não salvo a ela, não salvo também a mim.” (O.C., v. I, 1953, Revista de Occidente, p. 322). Com isso dizia que a vida do homem não se separa da sua circunstância. Nas páginas iniciais da obra se encontram os elementos que permitem compreender a circunstância do filósofo. O essencial para entendê-lo encontra-se aí, na síntese feita pelo autor: a descoberta da filosofia (p. 13), sua formação na Alemanha (p. 16), a proximidade com os professores de Marburgo, Hermann Cohen e Paul Natorp, o distanciamento do pensamento católico pela incompatibilidade de suas ideias com o contrarreformismo dos jesuítas (p. 24). O autor destacou ainda: as características do trabalho intelectual do filósofo, sua atividade docente (p. 28), a vida no Instituto de Humanidades (p. 36) e sua compreensão da Espanha. A notícia de sua morte está na página 36 e, nas páginas finais do capítulo, quando comenta a compreensão que o filósofo teve dos problemas da Espanha, surgem questões essenciais do pensamento.

Ortega via a Espanha com problemas importantes que a levaram a decadência e elegeu (p. 39): “a Alemanha como fonte inspiradora para a Espanha encontrar sua verdadeira e autêntica vocação”. Para a tarefa de reconstrução da pátria era preciso contar com todos seus integrantes, pois cada cidadão tem uma vocação única, preciosa e particularíssima. Esse entendimento representa a compreensão orteguiana de que cada homem tem uma perspectiva única e sua vida consiste em expressá-la. Além disso, (p. 40): “A vida de cada indivíduo é, em certa maneira multiplicada pela de todos os demais, nenhuma energia se desperdiça”. O diagnóstico da doença da Espanha foi feito pelo filósofo no livro España Invertebrada, de 1921, como observou Heleno. Ali aparece a ideia de que uma sociedade é constituída por minorias excelentes que devem dirigir o país e massas que devem segui-las. O problema da Espanha consistia justamente (p. 44): “no afã das massas em dominar, recusando-se a serem guiadas. Com o protagonismo das massas, a nação se desfaz”. O resultado de uma espécie de ódio aos melhores pelas massas (a invertebração histórica) parece-lhe ser a razão da decadência da Espanha. A solução que propõe (p. 61): “é o chamamento dos melhores”. Ortega esperava que as minorias assumissem o protagonismo da vida social do seu país.

Outro aspecto importante destacado pelo autor, neste capítulo inicial, é a pertença de Ortega y Gasset à famosa geração de 98 formada por uma elite intelectual (p. 47): “que não se conformou com o chamado Desastre, ou seja, a perda por parte da Espanha do que sobrou de seu império colonial”. Embora pertença, a rigor, à geração seguinte, Ortega, segundo o intérprete, se inseriu na problemática dessa geração, e não se concentrou nos desafios de sua geração. Diferentemente dos membros da geração de 98, notadamente Unamuno, Ortega entendia que a Espanha não podia ficar fechada em si mesma, mas precisava se abrir (id., p. 56) à modernidade, tendo a Alemanha como inspiração”. A divergência entre eles estava no caminho a seguir (p. 63): “Ortega propunha europeizar a Espanha, enquanto Unamuno propunha espanholizar a Europa”. Em outras palavras (id., p. 76): “o único modelo latino de cultura se mostrava ultrapassado e urgia inspirar-se em outro modelo, o germânico”. Seguia-se a divergência religiosa entre eles (id., p. 66): “Unamuno conserva sua fé até o fim da vida e Ortega se declara ateu, também até o fim da vida”. E havia ainda divergências filosóficas (p. 68): “Unamuno afirmava, para o desespero de Ortega, que se tivesse que escolher entre o filósofo Descartes e o místico espanhol São João da Cruz, ficaria com esse. Desesperador para Ortega, pois sem Descartes ficaríamos às escuras”. Essas divergências não comprometiam, contudo, a amizade e admiração mútua.

Quanto à posição política, Ortega assumia as posições humanistas do liberalismo democrático, a defesa da individualidade e teses políticas sociais. Comenta Heleno (p. 96): “ao que Ortega pensava ser equívocos do liberalismo, ele procurava corrigir com uma dose ponderada de socialismo”. No trabalho de periodista de Ortega, Heleno destacou os textos desenvolvidos em El Espectador, um trabalho editorial que lhe permitiu apresentar suas intuições filosóficas. Em seguida, o filósofo fundou o periódico El sol, que teve grande sucesso editorial, onde ele continuou a publicar seus artigos. Em 1923 fundou a Revista de Occidente, o esforço mais efetivo de europeizar a Espanha (p. 101): “A Revista de Occidente tem como público-alvo as minorias detentoras de certo arcabouço cultural; intenta colocar os espanhóis por dentro das novas ideias, dos novos descobrimentos científicos, dos novos fatos sociais”. Essa estratégia de escrever em periódicos e com textos curtos (p. 102): “lhe rende a pecha de filósofo superficial e até mesmo a acusação de ser um filósofo que carece de sistema filosófico”. Porém, informa-nos o autor, Ortega preservou seu estilo e ganhou reconhecimento internacional.

O segundo capítulo examinou os conceitos fundamentais da metafísica orteguiana: vida, eu, circunstância, raciovitalismo etc. O filósofo elegeu a vida de cada homem como tema nuclear. Assim, transitou de uma razão kantiana, em voga na Alemanha, nos dias em que lá esteve para uma outra forma de pensar onde (p. 107): “a vida é tomada em sua realidade mais crua e, nas palavras do próprio Ortega, dramática”. Pensá-la corretamente pedia uma aproximação com a tradição germânica, pois (p.109): “seria próprio dos latinos certo desdém pelo rigor intelectual que se traduz no pensar”. O amadurecimento intelectual de Ortega se deu com a superação do idealismo e (p.111): “declara a vida uma realidade absoluta”. Embora Ortega tenha passado pelo idealismo alemão, considerando-o um passo significativo na superação da antiga metafísica, ele vai gradualmente se afirmando com um pensamento próprio entorno à vida. Isso porque compreende o idealismo (p. 117) “como um tipo de filosofia que não passa de um subjetivismo teórico e subjetivismo prático, sendo assim um idealismo enfermo de subjetivismo”. Portanto, concluir que ser é pensar é uma forma de ensimesmamento.

O esforço de superação do idealismo se completou no desenvolvimento da razão vital. A realidade humana está aí entre tantas outras coisas da vida. Será esse o tom do seu curso em 1932 onde (p. 119): “elabora animadamente a sua filosofia da razão vital, a qual mais tarde dará o nome de raciovitalismo”. No fortalecimento dessa forma de pensar aprofundou as diferenças entre o modo do antigo grego pensar, ou realismo e a forma moderna, ou idealismo. Ele pretende (p. 123): “colocar a razão em seu verdadeiro lugar, ancorada na vitalidade, considerando-a apenas como uma das dimensões da vida”. Ortega, reconhece, num estudo de 1942, que foi o filósofo alemão Wilhelm Dilthey quem colocou a vida como explicação fundamental da realidade, embora aquele pensador não tenha aprofundado tal intuição. Assim, a filosofia de Ortega não recupera ou aprofunda as ideias do alemão, mas é um desenvolvimento da intuição que ele teve.

O raciovitalismo, ao afirmar a centralidade da vida mesma contra a razão teórica, não cai no irracionalismo. E a centralidade da vida tem a vantagem de que sendo uma realidade radical (p. 131): “pleiteia a totalidade, e com ela pode investigar tudo o que existe, sem exceções”. E afirmando a vida como ponto de chegada da tradição filosófica Ortega não apenas assume o caráter histórico do pensamento e revaloriza a tradição metafísica como recusa o eleatismo ao rejeitar a tese parmenídica de que o ser é um conceito puro, distante do mundo sensível.

Considerando a vida o desafio mais urgente, Ortega a descreve como (p. 135): “o que somos e o que fazemos, o modo de ser mais radical, pois tudo começa com ela e a ela se reconduz”. Daí seu caráter concreto, único e singular (ibidem): “viver é o que ninguém pode fazer por mim e isto é um fato”. E diz mais. Viver é estar preso ao presente, essa é uma circunstância importante. Viver também é perigoso, porque (p.139): “uma vida que esteja imune aos perigos é simplesmente impossível, pois isso escapa a natureza da própria vida”. A vida, ainda é, insegura, aberta, imprevisível, dramática, mas tem seus gostos e alegrias. Ela igualmente contempla muitas possibilidades (p. 142) porque “viver é constantemente decidir o que vamos ser”. Sem o cuidado nas decisões vamos por caminhos não desejados, a vida pode ficar à deriva. O exercício de sua liberdade se efetiva na circunstância, e o conjunto de escolhas mostra o espaço de liberdade possível. A vida é uma jornada no tempo (p. 144): “cada minuto passado é absoluto, não volta mais”.

Aspecto importante destacado pelo autor é que, embora o raciovitalismo não submeta a vida ao pensamento, deixando-a conforme ela é, não é irracionalista. O propósito do filósofo foi recolocar a filosofia em sintonia com a vida, sem cair no irracionalismo porque a tradição filosófica acabou indo por aí (p. 146): “terminou por cair num irracionalismo extremado, e, assim, o racionalismo, para salvar a verdade, renunciou a vida”. Era, portanto, necessário recolocar a vida no seu lugar sem assumir o irracionalismo. Antes de pensar, o homem se encontra numa situação, ou (p. 150): “a realidade primeira, a verdade radical, não é a do pensamento, mas sim do eu e do mundo, ou o eu e minha circunstância”. E esse eu que tem uma circunstância é vivido na primeira pessoa. O eu do outro é diferente. Esse tema orteguiano o autor retoma no capítulo final para lembrar que realidade radical é a de cada um (p. 208): “ainda que o homem considere a própria vida realidade radical, não pode aplicar esta mesma densidade metafísica à vida do outro, uma vez que a vida do outro é uma realidade presumida, e não radical e questionável”. O seu caminhar eu o noto, mas o meu é vivido desde dentro. Ortega dá destaque a essa questão e a considera fundamental (p. 159): “Homem e circunstância fazem parte de uma única realidade, um não vive sem o outro”. E a circunstância é a condição de realização de sua vida, mas é também sua limitação. Pode, em algum momento, impedir sua vocação. Ele entende que (p. 163): “A circunstância completa o sentido da vida compondo uma unidade com o sujeito”.

Outro aspecto fundamental da filosofia orteguiana é o perspectivismo (p. 169): “ninguém acolhe a totalidade, pois ela tem infinitas perspectivas, todas igualmente verídicas e autênticas”. Quando uma perspectiva pretende ser absoluta torna-se falsa. No entanto, se os olhares para o mundo identificam coisas distintas, isso não significa relativismo, nem epistemológico, nem moral. Há critérios que permitem falar de verdade. Ao olhar essa atitude em perspectiva, Ortega identifica dois tipos de homens, um sensual e outro meditativo. O primeiro (p. 174): “vive no nível das aparências, satisfazendo-se com a realidade compreendida apenas como sensível; o homem meditativo tem como meta um conhecimento mais amplo da realidade”. E, no olhar para o mundo, também é necessário diferenciar o que é patente do que está latente. Para entender esses conceitos Ortega utilizou as noções de superfície e profundidade. Heleno mostra que (p. 186): “patente – superfície, é o mundo que está aí, bastando abrir os olhos para constatá-lo, é o mundo das impressões. Latente – profundidade, é o mundo que também está aí, que Ortega denomina um transmundo, não é menos real, (...), é tão claro como o superficial”.

O terceiro e último capítulo do livro, examina o homem contemporâneo. O filósofo o fez partindo de uma constatação fundamental, o homem é histórico e vive numa sociedade que também o é (p. 197): “o tigre de hoje não é nem mais nem menos tigre que o de mil anos atrás, é sempre um primeiro tigre, o homem, ao contrário, não é um primeiro homem, um adão ad eternum, mas é formalmente um homem segundo, terceiro”. Isso significa que a vida humana não é uma vida que se guia pelo instinto, mas por escolhas. Para Ortega (p. 200): “é inquestionável que o homem vá construindo sua existência na série dialética de suas experiências”. Sendo assim tornou-se usual dizer que (p. 201): “o homem orteguiano não tem uma natureza em si, ele é um constante que fazer”.

Como a vida humana se dá junto a outros homens, ela acontece em sociedade. Explica o autor (p. 211): “conhecendo aos poucos o outro, desenvolvo com ele uma intimidade que me permite chamá-lo de tu, tornando-o assim, inconfundível para mim”. Esse encontro com o outro significa para Ortega, lembra o autor, a relação social. Nessa relação o amor é o que há de mais significativo (p. 214): “Ortega procura qualificar a relação eu e outro valendo-se da conexão que somente um sentimento como o amor pode executar”. Na relação com o outro o homem toma consciência de si e procura realizar seu projeto existencial. A realidade social em que vivia na Espanha leva-o a perceber que surgia um homem propenso ao comportamento autoritário. Ortega o denominará de homem-massa e procurará caracterizá-lo.

Ele afirmou que a ascensão social do homem-massa representa um fato social complicado, pois (p. 217): “falta-lhe um programa de vida refletido e exequível, bem como preparo intelectual e cultural para assumir postos-chave das nações”. Massas sempre existiram na História, mas nesses dias elas pretendem o que normalmente não buscam, o protagonismo da vida social. Por ser um tipo comum de homem médio, sem qualquer talento especial, o homem-massa prefere, politicamente, as soluções autoritárias. Espera que um condutor dirija a sociedade. Maioria e minoria referem-se, explica Ortega, aos talentos, habilidades e esforço, é um conceito moral. Uma pessoa passa a integrar a minoria quando supera as resistências que o impedem de realizar seu projeto e viver na excelência. Para Ortega, o que tipifica (p. 220): “a minoria melhor não é a posse de bens ou riquezas, mas a promoção da cultura, da educação e um modo de vida ético”. Essa distinção é fundamental para não confundir com a interpretação marxista de minoria proprietária. E ainda se pode esclarecer (p. 221): “nota-se, em Ortega, não um elitismo de classe, com privilégios para a classe política ou para a classe dirigente, uma vez que minoria significa qualquer pessoa que queira contribuir para o bem da sociedade”.

O homem-massa, ou maioria, é alguém descomprometido com a excelência pessoal e moral. Ele é (p. 223): “acrítico consigo mesmo e seguro de suas falsas qualidades, tem a percepção de que a vida é fácil e que nada de trágico pode lhe acontecer”. Ele acredita que o mundo se encontra aí pronto para servi-lo. Comporta-se como uma criança mimada, que quer o que não é possível e como senhorzinho satisfeito que não cuida da herança que recebeu. E ele se acha sábio e perfeito (p. 225): “não lhe ocorre duvidar de sua própria plenitude”. Esse homem não quer ter ou dar razão, apenas (p. 226): “impor sua opinião”. Igualmente não se dispõe a contribuir com a criação cultural (p. 228): “enquanto o homem nobre obriga-se a si mesmo, o homem-massa contenta-se a ser mero receptor da herança cultural”.

O progresso da técnica acabou contribuindo para o surgimento e fortalecimento desse tipo de homem-massa, pois se baseia numa (p. 231): “formação intelectual menos profunda de homem se comparada aos seus antecessores”. Isso ocorre porque a técnica e os manuais de instrução (p. 233): “não demandam grandes qualidades teóricas e intelectuais e nem obriga possuir ideias rigorosas sobre o sentido e fundamento delas”. Assim, o homem-massa conhece um campo do conhecimento, mas nada do restante (idem): “sabe pouco de toda a realidade, conhece apenas uma ínfima parte dela”. A proposta do filósofo para combater a especialização superficial é a formação cultural ampla, preparar o homem para estar à altura de seu tempo. Não se entenda que a técnica seja algo ruim, pelo contrário, ela permite o homem viver bem, estar bem no mundo (p. 239): “a técnica é um esforço menor com a qual se evita um esforço maior”. O problema não é a técnica, mas a forma como o homem-massa lida com ela, despreocupando-se de questões mais amplas ou assumindo (p. 240): “um individualismo tecnocrático, de um homem que só se preocupa consigo mesmo e que, portanto, representa um perigo para as sociedades liberais e democráticas”.

As massas sempre estiveram na sociedade, o problema atual é que elas querem assumir o protagonismo ser (p. 241): “o personagem principal”. E, sabemos, que as massas não conseguem bem realizar esse protagonismo. E o tempo em que elas assumem o papel principal torna-se uma hiper democracia (p. 243): “um reino de ignorância em detrimento da excelência”. Uma sociedade com a participação das massas e direção dos melhores é o que ocorre nas liberais democracias, com respeito às minorias. É o sistema preferido por Ortega (p. 244): “o liberalismo é uma vacina contra a onipotência do poder público que garante o direito a quem pensa diferente, distanciando-se das massas hiper democráticas igualitárias, que pregam a uniformidade a qualquer custo”.

Na avaliação final do capítulo terceiro, o autor reproduz uma discussão atual envolvendo o pensamento orteguiano e o papel das massas na sociedade europeia (p. 251): “a Europa, ao perder a capacidade de dirigir o mundo, começa a passar por graves problemas sociais e políticos”. Ortega prefere uma (p. 253): “opinião pública advinda de consensos, do que a opinião particular de grupos singulares”. O autor também mostra que o filósofo (p. 254): “destaca a importância de um programa de vida para o indivíduo e para a nação”. Programa que visava reconstruir a Espanha e toda a Europa. E seu programa vale para todas as nações do mundo (p. 257): “para construir Estados verdadeiramente fortes é necessário contar com as minorias melhores, uma vez que as massas instrumentalizam o Estado, esperando que resolva todos os seus problemas”. Ao lado de um projeto político um objetivo para os indivíduos, descobrir um programa de vida autêntico, próprio de cada um. Para ambos, sujeito e sociedade, Ortega propõe uma educação ampla capaz de elevar o homem mediano à vida nobre e autêntica.

E o que dizer da interpretação de Heleno? Ele entendeu que os temas da geração do filósofo, que eram os do existencialismo, estiveram fora de suas preocupações, a saber o (p. 49): “niilismo, nada, angústia, náusea, estavam ausentes da obra de Ortega”. Parece o contrário, a questão não é a ausência desses assuntos, mas o filósofo não tomar a angústia como categoria essencial da vida e afirmar, em contrapartida, a vida esportiva e não angustiada como própria do homem. Além disso, Ortega afirma que antecipou os temas do existencialismo heideggeriano, embora não partilhasse da sua ideia de homem angustiado.

O autor diz que (p.119): “Ortega abrirá, em 1932, livre da prisão kantiana, e elaborando animadamente a sua filosofia da razão vital, (...) uma filosofia da vida do homem”. A menção ao curso sugere que a superação do kantismo se deu naquele momento, mas tal superação remonta a seu primeiro texto importante, de 1914, as Meditaciones del Quijote (p. 41-42). Naquela obra ele trata da formação dos conceitos e diz que a razão não pode substituir a vida. O que se passa em 1932, é o que a atual hermenêutica orteguiana, denomina segunda navegação, isto é, o desenvolvimento da razão histórica com conceitos como geração, crise e, quando a noção de crença passou a ocupar o lugar central da teoria.

A opção política de Ortega y Gasset pela liberal democracia é uma opção contra os radicalismos totalitários que, vez por outra, pretendem dirigir as sociedades nacionais. O pensamento orteguiano, nesta síntese de Gilberto Heleno, mostra a atualidade e a oportunidade de valorizar a excelência, a razão, o equilíbrio, o consenso e rejeitar o obscurantismo, a recusa da ciência, a ignorância e o irracionalismo, quer como projeto existencial, quer como opção política.

 

 

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