Três passos para escrever sobre Freud negligenciando o conceito de pulsão: Bento Prado Jr. e a denúncia da degradação intelectualista da psicanálise em 'Conhecimento e interesse'


Lea Silveira*

Viel weiss ich noch nicht,
noch nicht auch, wer ich bin:
mit dir mordlich zu ringen,
reiztest du selbst meinen Mut.

(Siegfried, R. Wagner)
RESUMO: O artigo faz uma discussão da leitura que Habermas propõe para a teoria freudiana em Conhecimento e interesse. Para tanto, acompanha o comentário que Prado Jr. faz dessa leitura, mostrando, então, o modo pelo qual Habermas subordina a psicanálise à filosofia e propõe compreendê-la como uma tarefa da autorreflexão. À análise de Prado Jr., o artigo propõe acrescentar a suposição, promovida por Freud, do vínculo entre pulsão e juízo.

No ensaio que Bento Prado Jr. (1985/2000) dedica ao tema da leitura habermasiana de Freud, ele a classifica como uma “degradação intelectualista da psicanálise” (p. 24) e, dentre os aspectos que dela destaca, não deixa de mencionar a curiosa ausência do termo “pulsão”[1] no livro Conhecimento e interesse (HABERMAS, 1968/2014), ausência que, de acordo com Prado Jr., acaba correspondendo a perder de vista o próprio sentido do conceito freudiano de inconsciente. Essa ausência, cabe dizer, não é total. Habermas de fato emprega vez ou outra o termo “pulsão”[2]. Mas isso é tão esporádico e tão desvencilhado de qualquer tratamento conceitual que o fato de se constatar a presença do termo no livro não abala em nenhuma medida a conclusão de Prado Jr. a esse respeito. Essa conclusão é construída em torno de um momento específico de Conhecimento e interesse, momento em que Habermas, ao citar um trecho no qual Freud discorre sobre a defesa psíquica, elabora um comentário que perde totalmente de vista a ideia de pulsão. Esse momento consiste em desconsiderar que a relação que Freud estabelece entre perigo externo e perigo interno é uma relação de analogia: o Eu age com relação a um perigo interno como se este fosse um perigo externo, sendo fundamental não substituir aí o “como se” por uma identidade (PRADO Jr., 1985/2000, pp. 24-35). Ora, se o Eu não possuísse perigos genuinamente internos, ele teria, de direito senão de fato, identidade consigo mesmo. O trecho de Habermas que Prado Jr., por sua vez, cita em sua argumentação confirma o equívoco da leitura. Trata-se de uma frase em que Habermas afirma que aquilo que é denegado na defesa é a identidade da parte da psique que é censurada com o Eu, sendo assim que o Isso se tornaria Isso. Ou seja, o Isso corresponderia ao resultado da censura, ele seria o resultado de a censura reificar a parte censurada como algo neutro (ibid., p. 25). O que Habermas está dizendo com isso é que a coisa de que o Eu se defende não é um outro do Eu no Eu, mas algo que compartilha da natureza do próprio Eu. Se aquilo que o Eu rejeita é, ainda assim, Eu, então tornar-se-ia legítimo o projeto de situá-lo em condições de se apropriar disso. Tornar-se-ia, então, legítimo o projeto de subordinar Freud a uma filosofia da consciência[3]. É o Eu quem coisifica algo no Isso e, se é o Eu o responsável por tal resultado, nada impediria que a consciência se reapropriasse disso que, apesar de ser outro, ainda é Eu. Só é outro em função de certas circunstâncias que poderiam ser alteradas. Só é outro em função de uma contingência, portanto. Essa deturpação do sentido da defesa – que inverte a tese freudiana relativa ao fato de que é o Eu que se desenvolve a partir do Isso, e não o contrário – é algo que Prado Jr. destaca como sendo essencial à leitura que Habermas faz de Freud, conduzindo-o a afirmar o seguinte  “(...) insisto no vocabulário, que jamais é inocente. Identidade, Selbst, ego, toda uma série de noções, que a psicanálise descreve como  resultado, é aqui reconduzida ao éter do idealismo alemão e sua linguagem, soterrando a revolução freudiana.” (Ibid., p. 25)
Tal eliminação de Freud nos textos do próprio Freud, a que tanto já se procedeu em outros cenários, decorre de uma apropriação da teoria psicanalítica que é efetivada, além do mais, a partir de uma certa filosofia da linguagem. Habermas identifica a análise pragmática da linguagem como modelo que permitiria melhor compreender aquilo que Freud faz quando propõe que as formações do inconsciente sejam interpretadas. As neuroses distorcem, segundo Habermas, as conexões simbólicas nas três dimensões constitutivas dos jogos de linguagem: na expressão linguística, nas ações e nas expressões oriundas do corpo (HABERMAS, 1968/2014, p. 330). Haveria uma privatização de parte da linguagem que acompanharia o silenciamento de motivos subjacentes a ações, motivos que o sujeito prefere desconhecer. Se as neuroses se registram como fenômenos linguísticos, isso significa, para Habermas, que a psicanálise deve ser compreendida como hermenêutica, ainda que ela exija esse passo para além de Dilthey de reivindicar o papel da autoilusão na própria constituição do texto a ser interpretado. Para Prado Jr., o que fica implícito na argumentação de Habermas é que Freud teria enxergado isso, apenas não tendo alcançado o ponto de dizê-lo desse modo[4].
O problema não é, para Prado Jr., a estratégia de aproximar Freud de uma filosofia da linguagem, mas o fato de que essa estratégia, a de Habermas, o aproxima de uma gramática da linguagem ordinária, que suprime a distinção entre representação verbal e representação simbólica[5], enquanto a ideia de inconsciente parece exigir também a ideia de que certos símbolos escapam à verbalização; enquanto ela se refere ao fato de o inconsciente ser simbólico sem ser necessariamente verbal; ou seja, ainda: a psicanálise exige o reconhecimento de que certos símbolos escapam à apropriação pela consciência na linguagem ordinária; ela envolve, enfim, a dimensão do sentido sem que se trate de um sentido passível de subordinação à consciência.
Com tudo isso, ainda seguindo a análise de Prado Jr., Habermas transforma a psicanálise numa psicologia do Eu, o que significa fazer com que deixe de ser psicanálise. Enquanto a psicanálise denuncia o Eu como ilusão e resultado, a leitura habermasiana solicita, argumenta Prado Jr., a submissão do inconsciente ao seu domínio (1985/2000, p. 23). Assim é que Habermas ignora a natureza da pulsão ao referir-se apenas ao afeto como interesse do Eu.
Mas, em nome de quê a psicanálise é convocada no projeto de Conhecimento e interesse?
Uma ideia que talvez possa ser assinalada como ponto de partida do livro é a de que o interesse pela emancipação é constitutivo do conhecimento, prevalecendo sobre os interesses técnico e prático. Donde se seguiria que a dominação resultaria do recalque imposto historicamente ao vínculo entre conhecimento e interesse. A possibilidade de se assumir, com o horizonte da emancipação, o ideal da dissolução da dominação se esteia no fato de ela não ser contada entre as condições antropológicas fundamentais, ao contrário do que ocorre com o trabalho e a linguagem[6]. A explicitação do vínculo entre conhecimento e interesse surge assim como condição, se não suficiente, certamente necessária, para o banimento da dominação.
Ocorre que, sustenta Habermas, a história do conhecimento humano alcançou, na passagem do século XIX para o XX[7], um momento de esquecimento radical desse entrelaçamento entre conhecimento e interesse, um momento que corresponde ao positivismo e que fez a teoria do conhecimento sucumbir em teoria da ciência; que fez o conhecimento degringolar em fato. “Denegar a reflexão – isso é o positivismo” (1968/2014, p. 23), ele escreve. Como a restituição da reflexão irá necessariamente revelar, a seu ver, não apenas uma unidade entre interesse técnico e interesse prático, mas sobretudo a inscrição em ambos do interesse pela emancipação, a crítica do positivismo só será possível como teoria da sociedade.
Para compreender o movimento que conduziu ao recalque do entrelaçamento de conhecimento e interesse, o livro de Habermas aposta em ser necessário refazê-lo, adotando, para isso, duas estratégias.
A primeira é traçada de um ponto de vista da história da filosofia da reflexão e busca retornar, em primeiro lugar, a Hegel e a Fichte, porque eles souberam subordinar o interesse especulativo da razão ao interesse da razão pura prática, e, em segundo lugar, a Marx que, apesar de ter, segundo Habermas, permanecido preso a uma certa dimensão de naturalização da própria razão, foi capaz de levar adiante a necessária historicização do transcendental, já iniciada com Hegel. Se o interesse especulativo da razão não é mais tomado como algo originário, ele deixa de ser estabelecido de modo dogmático, o que seria uma condição para reconciliar a perspectiva materialista com a perspectiva transcendental.
A segunda estratégia é traçada do ponto de vista da história da filosofia da ciência e busca destacar nela dois autores que teriam assumido um direcionamento contrário ao do positivismo, com o que teriam alcançado indicar, em certa medida, a presença do transcendental rejeitado por este: no caso de Peirce, esse reconhecimento seria alcançado pela própria lógica da descoberta científica; no caso de Dilthey, mediante uma reflexão sobre a interpretação. Nos dois casos seriam identificados a prioris que, embora não sejam mais universais, ainda assim cumpririam o papel de indicar a referência a um conjunto de condições do conhecimento, impedindo que o pensamento sobre a ciência seja reduzido à metodologia. Apesar disso, tanto Peirce quanto Dilthey continuam, para Habermas, demasiadamente marcados pelo positivismo na medida em que não tematizam plenamente a autorreflexão, não alcançando exibir para o sujeito o processo de sua própria constituição, ou na medida em que não trazem ao cerne da reflexão a transparência do sujeito para si mesmo como um ideal de emancipação.
É nesse contexto que a psicanálise freudiana aparece, para Habermas, como continuidade da crítica da ideologia. Habermas assume a existência de uma identidade metodológica entre elas tendo em vista que ambas seriam capazes de colocar em marcha um processo de reflexão mediante o procedimento de trazer à consciência um saber sobre conexões causais que até então lhe eram inaparentes. Pela via de um saber, de um esclarecimento, a consciência pode como que tomar distância relativamente a processos que, de outro modo a determinariam. Ela pode, assim, ao conhecer tais processos, cancelar sua incidência. Há uma frase de Habermas em outro texto, que também tem por título Conhecimento e interesse, que apresenta essa ideia de forma bastante clara: “Um conhecimento criticamente mediado das leis é incapaz de extinguir sua validade submetendo-as meramente à reflexão, mas pode sim, por esse caminho, colocá-las fora de aplicação.” (HABERMAS, 1963/2014, p. 190) Na psicanálise, pela via da convergência entre teoria e clínica, entre conhecimento analítico e discernimento moral, estaria preservada a unidade entre razão teórica e razão prática (HABERMAS, 1968/2014, p. 353), o que apontaria, afinal, para o horizonte de uma sociedade não repressiva, uma vez que uma sociedade que realizasse a emancipação seria igualmente, nessa perspectiva, desvencilhada de neurose. Mais do que isso, na psicanálise, o conhecimento que estará a serviço do cancelamento da opressão não se reduz ao plano cognitivo, mas se processa numa tensão com um plano afetivo. É por esse motivo que ela se caracteriza tão genuinamente, aos olhos de Habermas, como uma tarefa da reflexão (ib., p. 344).

Resistência à psicanálise

Assim, o primeiro passo para pretender escrever sobre Freud sem empregar o conceito de “pulsão” é subordinar a psicanálise à filosofia. Com isso, não quero obviamente insinuar que se ignorem os tantos destinos que o Trieb assumiu na filosofia de língua germânica. O que quero dizer é que aqui só se pode acenar para a clínica na medida em que ela seja uma tarefa da consciência: executada pela consciência, tendo em vista seu alargamento; executada para a consciência, tendo em vista fortalecê-la e torná-la capaz de dominar o campo psíquico sob os auspícios do Eu.
A leitura que Habermas vai destinar a Freud, uma leitura, como já se vê a essa altura, dependente de um modelo de rememoração (SAFATLE, 2004), já está, a meu ver, muito claramente determinada nas páginas que ele dedica a Hegel no início do livro. Ao referir-se à figura da negação determinada como momento em que a reflexão descobre a própria unidade entre razão teórica e razão prática, entre formas de conceber o mundo e a normatização da ação, Habermas afirma que, quando uma “forma de vida” nova substitui uma anterior, a forma anterior permanece enquanto explicitada na nova. Nesse contexto, escreve: “Um estado definido ao mesmo tempo por operações cognitivas e por posturas sedimentadas só pode ser sobrepujado se for um estado analiticamente rememorado. Um estado passado que fosse segregado e meramente recalcado manteria sua força sobre o estado presente.” (HABERMAS, 1968/2014, p. 48) Todas as fichas são apostadas assim na ideia de que uma força – ou algo concebido como força – perde suas prerrogativas se e quando a consciência se torna consciência dela. Esse trecho prepara, a meu ver, a cartada final do livro que é a inserção totalizante de Freud na história da autorreflexão.
Uma tal estratégia não poderia subsistir, por exemplo e para dizer ainda muito pouco, diante de um texto como As resistências à psicanálise, que Freud escreve em 1925. Nele, Freud (1925/2011) argumenta que o lugar da psicanálise não se acomoda tranquilamente nem à ciência, nem à filosofia. No que diz respeito à ciência, a primeira observação que Freud faz para pensar suas relações com a psicanálise é aquela que destaca a existência de uma interdependência entre abertura para o novo e incompletude, que devem, a seu ver, marcar uma certa postura cética do pesquisador. Esse ceticismo pode, no entanto, se transmutar em atavismo, na medida em que, de tanto suspeitar do novo, o pesquisador acabe por se apegar em demasia àquilo que ele concebe como um conhecimento já conquistado. Esse é o signo sob o qual Freud, nesse momento – que não é precoce e que já vê a psicanálise como uma teoria consolidada em múltiplos sentidos –, situa a resistência da medicina à psicanálise, resistência desdobrada no fato de que a psicanálise traz à luz um tipo de patologia: 1- que não podia ser vinculada à presença no organismo de uma determinada substância em excesso, e assim não se encaixava em explicações que atinassem exclusivamente a fatores anatômicos, físicos e químicos; e 2- que exigia do pesquisador a consideração de uma explicação psicogênica. Em função desses dois fatores, os médicos não consideravam possível, de acordo com Freud, aproximar a investigação científica de fatos psíquicos. Mesmo os psiquiatras se recusavam a essa investigação, contentando-se ou em meramente classificar os sintomas ou em relacioná-los a distúrbios somáticos. Tudo se passa como se a medicina enxergasse na psicanálise um nível exagerado de abstração e, nesse sentido, Freud diz que a resistência da medicina à psicanálise é algo tranquilamente compreensível. Manifesta com isso sua lucidez com relação ao fato de que as diretrizes em vigor na medicina eram incompatíveis com as diretrizes exigidas pela psicanálise. Mas, se a resistência da medicina, à luz do ideal de ciência, era de pronto compreensível, não o era a resistência da filosofia à psicanálise: “em contrapartida, ele escreve, era de supor que a nova teoria receberia o aplauso dos filósofos.” (ib., p. 257) Pois, se o inconveniente da psicanálise aos olhos da medicina era a abstração, e se abstração era o metier da filosofia, era de se esperar, sustenta Freud, que a filosofia acolhesse a reflexão inédita. Mas o que ocorre é o contrário: também a filosofia oferece resistência à psicanálise e o motivo para isso é, diz Freud, que estão em jogo nas duas disciplinas concepções bem distintas do psíquico. Para Freud, a maior parte dos filósofos se situava na linha de pensamento que considerava inadmissível a ruptura da equivalência entre psíquico e consciência, de maneira que a alma não teria “outro conteúdo senão os fenômenos de consciência” (ib., p. 258). Não escapou a Freud que ambas as posturas – a da medicina e a da filosofia – naquilo que Assoun (1976/1978, pp. 23-44) chama de “obstáculo consciencialista”, produzem o organicismo como resultado. Se o psíquico é todo consciência, tudo o mais que puder ocorrer na alma será atribuído, diz Freud, “a precondições orgânicas ou a processos paralelos aos psíquicos” (1925/2011, p. 258). O texto de Freud registra, assim, a denúncia de um vínculo entre o consciencialismo e o organicismo ou o paralelismo psicofísico, denúncia que lhe permite formular uma pergunta que é a seguinte: “Que pode então o filósofo dizer de uma teoria que afirma, como a psicanálise, que o psíquico é antes inconsciente em si, que estar consciente é apenas uma qualidade que pode ou não juntar-se ao ato psíquico particular e nele nada mais altera, caso fique ausente?” (ib., p. 258) Que pode o filósofo dizer de uma teoria que, como formula Assoun (ib., p. 37), situa a própria consciência como um acidente, destituindo-a de corresponder à essência do psíquico, teoria que afirma mesmo que o em si do psíquico é deslocado em relação à consciência? Para Freud, ex-aluno de Brentano, a resposta do filósofo só pode ser que essa teoria assume uma contradição em termos. Mas ele também observa que uma tal conclusão consiste apenas na repetição daquilo que foi pressuposto: o filósofo, ele diz, “não nota que com esse julgamento está apenas repetindo sua definição – talvez demasiado estreita – do que é psíquico.” (ib., p. 258) Ou seja: uma vez que o psíquico é definido como consciência, uma “representação inconsciente” só pode ser uma contradição em termos que reserva à introspecção as prerrogativas metodológicas. Mas a questão, para Freud, é: qual a legitimidade dessa definição? E, para ele, o material clínico subtrai a expectativa dessa pretensa legitimidade. A postura do filósofo de insistir em que o psíquico seja coextensivo à consciência recebe da experiência uma refutação. Freud argumenta:
“Os filósofos não atentaram para a hipnose, não se ocuparam da interpretação de sonhos – consideram os sonhos, tal como os médicos, produtos sem sentido da atividade intelectual diminuída durante o sono –, mal desconfiam que existam coisas como ideias obsessivas e delírios, e se veriam em grande apuro se alguém lhes pedisse para explicá-los com base nas premissas psicológicas que mantêm.” (ib., p. 258)
Dito isso – e agora chega o ponto do texto que mais me interessa aqui –, Freud situa a posição epistemológica da psicanálise como uma posição intermediária entre a medicina e a filosofia. E diz que, com essa posição intermediária, a psicanálise só ganha desvantagens em relação às outras duas disciplinas.
“Os médicos a vêem como um sistema especulativo, não querem acreditar que, como qualquer outra ciência natural, ela se baseia na paciente e trabalhosa elaboração de fatos do mundo das percepções; os filósofos, que a medem pelo padrão de seus próprios sistemas artificialmente edificados, acham que ela parte de premissas impossíveis e lhe reprovam o fato de seus conceitos principais – que ainda se acham em desenvolvimento – carecerem de precisão e clareza.” (p. 259)
É, então, entre o reproche de ser especulativa demais e o reproche de ser especulativa de menos que se desenha, aos olhos de Freud esse não-lugar da psicanálise.
A meu ver, essa argumentação apresentada por Freud permite situar a seguinte pergunta: seria a leitura de Habermas a formulação de uma resistência à psicanálise?

Como cardápios para famintos

Prado Jr. (1985/2000, p. 18) sugere que, mesmo que estivesse correta a análise que Habermas faz das diretrizes da clínica freudiana, não pareceria, por outro lado, correto inserir Freud num projeto de restituição do transcendental por intermédio da noção de autorreflexão porque, ainda que se tratasse aí de autorreflexão, ela seria, nesse caso, de ordem psicológica.
Lemos no livro de Habermas que “Freud desenvolveu um quadro interpretativo para os processos perturbados e desviantes de formação, passíveis de ser direcionados para as vias normais por uma autorreflexão terapeuticamente conduzida.” (1968/2014, p. 292) Ou ainda que:
“A análise tem consequências terapêuticas imediatas, visto que a superação crítica dos bloqueios da consciência e a penetração nas falsas objetificações dão início à apropriação de um fragmento perdido da história de vida, fazendo recuar, desse modo, o processo de segregação. Por isso, o conhecimento analítico é autorreflexão.” (Ib., p. 350)
Mas haveria três outras características que permitiriam, de acordo com o autor, compreender a psicanálise como autorreflexão[8]. São elas: o processo terapêutico é impelido por uma motivação prática que conduz a uma alteração do fundamento afetivo, ele é conduzido por um interesse no autoconhecimento e, nele, o sujeito precisa considerar o adoecimento como parte de si mesmo (ib., pp. 350-2). Como a neurose é considerada um distúrbio da comunicação, um distúrbio em que o sujeito esconde de si mesmo parte de sua própria linguagem, privatizando-a, a tarefa do analista será colocar novamente em contato essas duas partes – a parte de linguagem rejeitada e patologizada e a parte de linguagem cujo acesso normal é preservado pelo sujeito. Essa tarefa será pedagógica.
“Esse distúrbio da comunicação, escreve Habermas, requer um intérprete que faça a mediação não entre dois parceiros de línguas distintas, mas que ensine a um e mesmo sujeito a compreender a própria linguagem. O analista orienta o paciente para que ele aprenda a ler os próprios textos, mutilados e deturpados por ele mesmo, traduzindo os símbolos de um modo de expressão deformada na linguagem privada para o modo de expressão da comunicação pública.” (pp. 342-3)
O que é preciso fazer, assim, é desbloquear recordações que precisam ganhar acesso à consciência porque constituíram parte importante do processo de formação do sujeito. Não se trata apenas de subordinar essas recordações a uma compreensão, já que a hermenêutica freudiana não se confunde com a diltheyana, mas, isso sim, de fazer com que esta compreensão seja já uma autorreflexão.
Estas considerações, além de ignorarem que a metapsicologia freudiana colocou uma diferença de grau em lugar de uma diferença de natureza entre normal e patológico – tendo isso conduzido Freud ao estudo dos sonhos –, fazem uma passagem brusca entre dois sentidos muito distintos do termo “autorreflexão”, tal como indicado por Prado Jr. Mais precisamente, essa passagem se dá entre: 1- um sentido filosófico, seja de autoexplicitação do eu transcendental implicado nas concepções de mundo seja de identificação dos processos sociais como condições materiais contingentes que operam na determinação da forma de julgar; e 2- um outro sentido que agora é exclusivamente psicológico e que diz respeito à expectativa de que a consciência se aproprie do inconsciente.
Assim, o segundo passo para escrever sobre Freud sem valer-se do conceito de “pulsão” é empregar, naquela subordinação da psicanálise à filosofia, uma mesma palavra ora para formular a referência a uma operação da razão a respeito de si mesma, ora para se referir ao procedimento psicológico específico da terapia. Não se explicita, com isso, que o mesmo vocábulo foi transferido de um território para outro sem transportar consigo seu conteúdo semântico.
Habermas opera, assim, e isso também é indicado por Prado Jr., com uma identificação entre o Eu da segunda tópica freudiana e o eu da apercepção transcendental. Esses dois sentidos de autorreflexão são unificados em nome do interesse na emancipação e o que permitiria a passagem, se acompanhamos o argumento de Habermas, seria a historicização do transcendental empreendida por Hegel e Marx: em qualquer dos casos, se procederia à identificação de conexões causais que fortaleceriam a autonomia da consciência. Não se trataria de coisa semelhante com Freud?
De todo modo, quer se trata aí de uma aproximação ou de uma distância, fato é que Habermas está então colocando no início do caminho aquilo que pretenderá alcançar ao final: só se pode ler Freud a partir da chave da autorreflexão se já se assumiu de saída que, embora a consciência possa ser determinada por algo que lhe é alheio, ela possuiria as prerrogativas de se destacar dessa determinação. A consciência seria então determinada por algo externo a ela sob a condição de não enxergar bem, de ter se tornado míope ou turvada, encontrando-se impedida de realizar algo que, no entanto, corresponderia à sua potência genuína. A consciência, enfim, apenas padeceria de alienação sob a condição, ao fim e ao cabo, de exatamente não ser nisso consciência. Ora, isso é algo que Freud muito decididamente não assume. Se não se compreende que Freud instala exatamente aí uma ruptura não se compreende o sentido de seu conceito de inconsciente.
  Habermas considera que é justamente a perspectiva técnica da clínica aquela que exibiria mais claramente o fato de a psicanálise consistir em autorreflexão. Na letra de Habermas, o que justifica sustentar esse argumento é justamente aquilo que esperaríamos ser uma objeção à sua estratégia e que é a referência de Freud ao trabalho da perlaboração (Durcharbeiten), ou seja, o fato, que mencionei de passagem no início deste artigo, de que a conquista da infância esquecida não pode ser um processo meramente cognitivo, devendo envolver algo que se passa no plano “afetivo” e que Freud teria identificado como superação das resistências (Habermas, 1968/2014, p. 344) É conhecida a imagem que Freud propõe nesse sentido: a tentativa de eliminar sintomas mediante a promoção de uma expansão do conhecimento do indivíduo a respeito do inconsciente, quer de um ponto de vista individual quer de um ponto de vista generalizado, seria tão eficaz quanto a tentativa de aplacar a fome das pessoas mediante a distribuição de cardápios. Essa é uma ideia que Freud elabora muito cedo e que estará vinculada a diversos encaminhamentos teóricos da psicanálise: a aceitação intelectual do recalcado não desfaz o recalque.
Mas, como bem observa Prado Jr., Habermas usa afeto para não usar pulsão. E eu acrescentaria que o termo afeto é com isso empurrado para o sentido de alguma coisa que é tomada como oposta à razão, perdendo-se de vista o fato de Freud tomar a pulsão, ou o motor do pensamento, como algo que não se localiza totalmente nem do lado corporal, nem do lado psíquico. Falar em afeto permite acenar para um território passível de ser conquistado pela reflexão exatamente em função daquele sentido que destaquei agora há pouco de um território que seria, de saída, externo à consciência.
A suspeita de Prado Jr. a esse respeito é de que Habermas faz um curto-circuito entre Freud e Hegel, como se o trabalho da reflexão que faz a consciência sair da aparência na direção de uma identificação entre para nós e para si fosse homólogo ao trabalho de perlaboração que faria o paciente identificar seu saber com seu inconsciente.  (PRADO Jr., 1985/2000, p. 19) Esse curto-circuito seria central na leitura que Habermas faz da clínica freudiana, pois compreender a psicanálise como um procedimento de autorreflexão implica tomar a situação analítica como uma situação de diálogo, o que, por sua vez, corresponde a tomar o lugar do analista como lugar de um sujeito real. Ora, tomar o analista como um sujeito real tornaria impossível o processo analítico porque tornaria impossível a transferência (ib., p. 21-22).
Toda essa concepção depende, em sua base, de um esquecimento fundamental que é o esquecimento de que a pulsão é uma força constante. Isto é, entender que a clínica exige a perlaboração apenas porque o sujeito precisa enfrentar a dimensão afetiva de sua resistência, esse é um entendimento que implica deixar de lado a própria estruturação daquilo que é o aparelho psíquico para Freud. Pois, se é verdade que Freud de fato escreve em diversos lugares que o objetivo do tratamento é transportar conteúdos inconscientes até a consciência, não é menos verdade, por outro lado, que o conceito de pulsão impede, de saída, que se considere esse transporte numa perspectiva segundo a qual os conteúdos inconscientes pudessem ser exauridos em favor de uma vida plena do Eu consciente.
Em seus artigos de metapsicologia, publicados em 1915, Freud defende a tese de que é às custas de um recalque originário que o próprio aparelho psíquico se estrutura.  Se é assim, não se pode ter a expectativa de desfazer tal recalque porque desfazê-lo seria desfazer o próprio aparelho. Trieb é o termo pelo qual Freud nomeia o fato de o corpo exigir do aparelho psíquico o desenvolvimento de um trabalho, que é sempre um trabalho de investimento de energia em representações. Ao primeiro nível dessa exigência Freud chama Triebrepräsentanz – representante pulsional. Ele diz respeito às ligações primeiras, mais imediatas e, de certo modo, mais simples, entre a exigência somática e o universo das representações. Todo o desenvolvimento do aparelho parte daí para a constituição de redes de investimento psíquico cada vez mais complexas até o ponto em que tal complexidade passa a ser gerida por representações de palavra. Somente então, nesse momento que já é longínquo, torna-se possível, para Freud, falar do sistema pré-consciente/consciente. Se esse sistema possibilita uma circulação não maciça da energia psíquica – sendo isso algo necessário para que se evite a alucinação e para que se torne possível o pensamento consciente –, ele não teria, no entanto, se tornado viável como sistema e como modo de investimento a não ser como um destino do modo de funcionamento anterior, a não ser como algo que em larga medida responde aos desdobramentos do sistema inconsciente.
Mas, para Habermas, Freud, apesar de ter fundado uma ciência humana, cometeu o equívoco de compreender aquilo que ele mesmo fundou como ciência natural (1968/2014, p. 367) e isso o teria impedido de situar a psicanálise em seu verdadeiro registro. Essa má compreensão a respeito de seu próprio empreendimento – diríamos essa ausência de autorreflexão no nível de uma teorização da teoria –, ela é que teria conduzido Freud ao passo desnecessário de vincular “processos de formação” a um “modelo de distribuição energética” (ib., p. 369). Ora, nesse cenário, como poderia o investimento teórico na metapsicologia não ser senão desencaminhador? Como poderiam as ideias de pulsão e de recalque originário constituírem algum empecilho à subordinação da psicanálise à filosofia se justamente elas consistem em conceitos que Freud teria devido, não aos problemas que enfrentou, mas à sua formação de fisiologista pesquisador do sistema nervoso (ib., p. 367)?   
Como quer que seja, o procedimento de caracterizar a psicanálise como autorreflexão exige que o recalque seja reduzido à dimensão em que ele responde, na teoria freudiana, a uma injunção social. Destaco um trecho de Conhecimento e interesse em que essa leitura me parece clara:
“As cenas infantis permitem concluir que os desejos inconscientes mais produtivos provêm de recalques sucedidos em um período relativamente cedo, ou seja, derivam de conflitos nos quais a pessoa da criança, não completamente formada e dependente, foi submetida constantemente à autoridade das primeiras pessoas de referência e às exigências sociais representadas por elas.” (Ib., p. 339).
Para Habermas, se cabe à psicanálise retomar a infância num esforço contrário à amnésia que a caracteriza; se “a criança é o pai do adulto”, é apenas porque esse período da vida teve seus impulsos reprimidos a partir de fora, a partir de valores e proibições que foram assumidos socialmente. Ora, é verdade que Freud de fato constrói esse raciocínio; ele, no entanto, está longe de corresponder, em sua teoria, à totalidade das forças envolvidas no recalcamento. Há toda uma articulação que Freud desenvolve entre recalque, zonas erógenas e processo de hominização que permanece aqui negligenciada, uma articulação que constitui o eixo central tanto dos Três ensaios de teoria sexual quanto da chamada hipótese filogenética e que aparecerá de modo marcante na teoria da cultura, como veremos adiante.
Subjaz assim à leitura que Habermas faz de Freud uma contraposição categórica entre pulsão e recalque, como se a primeira não alimentasse a própria necessidade do segundo. Mas, justamente, por que motivos se iria empregar esse vocabulário de opacidade se o que se quer circunscrever é uma tarefa inteiramente imputada à reflexão?

Fogo-fátuo

O terceiro passo para realizar a tarefa de ler Freud eliminando a pulsão do cenário teórico é, a meu ver, negligenciar o texto A negação e o modo pelo qual Freud elabora a origem pulsional do juízo. Era esse o ponto que eu gostaria, mais claramente, de acrescentar à leitura de Prado Jr.
Há aqui, cabe talvez mencionar, um deslocamento na perspectiva a partir da qual Habermas escreve sobre os diversos personagens de seu livro: enquanto todos os outros são tomados no nível da crítica, em muitos momentos ele parece tomar as teses de Freud como simplesmente dadas. Para ele, Freud fornece uma resposta para a possibilidade de compatibilizar as pretensões de apreender tanto processos universais como processos histórico-individuais porque a teoria psicanalítica se constitui como “uma teoria universal de processos biográficos de formação” (ib., p. 289). Habermas afirma que a psicanálise não pode ser tomada como uma ciência empírico-analítica, nem tampouco como uma ciência exclusivamente hermenêutica (ib., p. 292). Ela é, todavia, tomada como ciência.
Ainda assim, Habermas não deixa de identificar um impasse filosófico importante na teoria freudiana. Essa questão que quero destacar agora aparece no texto de Prado Jr. logo no início, embora de uma maneira marginal. Ele a emprega como motivo de entrada na argumentação pelo viés de uma pergunta que é a seguinte: se o modelo estrutural – o da segunda tópica – deriva da situação analítica, como explicar a situação analítica mediante o modelo estrutural? Prado Jr. ressalta que Habermas pretende denunciar uma petição de princípio no estatuto teórico da segunda tópica, de modo que o erro consistiria no caráter derivado da teoria a partir da prática. Ele mesmo, por sua vez, defende, ao contrário, o caráter derivado da teoria relativamente à prática como algo salutar na medida em que isso poderia servir de advertência contra o dogmatismo.
Mas, a meu ver, o momento em que Habermas traz essa pergunta transporta outros problemas que precisam ser apontados, problemas que não se resumem à questão da relação entre teoria e prática e que dizem respeito a impasses filosóficos nos quais Freud parece de fato ter incorrido. Logo após aquele trecho citado pelo Bento, Habermas continua assim:
“(...) o movimento da reflexão, que transforma um estado em outro, o esforço caracteristicamente emancipador da crítica, que transforma o estado patológico da compulsão e da autoilusão no estado do conflito superado e da reconciliação com a linguagem excomungada – isso não aparece entre as funções do Eu no plano metapsicológico. É característico: o modelo estrutural denega que as próprias categorias procedem de um processo de esclarecimento.” (Ib., p. 367) 
É claro que estão aí todos os elementos de uma leitura deturpada de Freud, elementos nos quais venho insistindo. Se se concorda com o que expus até aqui, obviamente que não se pode concordar, pelo menos não totalmente, com a ideia de que as categorias da segunda tópica “procedem de um processo de esclarecimento”. Mas, o que quero destacar agora é que, por detrás desse equívoco, Habermas parece perceber que os enunciados da metapsicologia freudiana correm o risco de destruir as condições de sua própria enunciação. Se o Eu é essa instância psíquica cerceada por injunções procedentes do Isso, do Supereu e da realidade, como responder por um lugar psíquico capaz de formular legitimamente juízos teóricos, tal como não podem deixar de ser os próprios juízos teóricos constitutivos da metapsicologia?
Habermas não vê que esse seu próprio diagnóstico da encruzilhada epistemológica em que Freud se instala em virtude de assumir premissas empíricas e psicologistas poderia, tivesse avançado mais um passo, ter exibido a outra face do caráter insubordinável da psicanálise freudiana à filosofia da consciência. Porque, se por um lado, o lugar de enunciação da própria teoria não é assegurado pela metapsicologia, de modo que ela não pode responder por sua própria possibilidade a partir de seus próprios pressupostos, por outro é o próprio juízo que, aos olhos de Freud, se enraíza na pulsão.
O texto A negação tem o objetivo, na expressão de Freud, de discernir a “origem psicológica” (FREUD, 1925/2011, p. 21) da função do juízo. O ponto de partida de Freud aqui é essa ideia muito presente na clínica de que a formulação de um juízo negativo – de um juízo que empregue a negação – corresponde a manifestar na linguagem um conteúdo que o sujeito prefere manter recalcado. Para Freud, um funcionamento específico do aparelho encontra na formulação “não é isso” uma maneira de dizer “é isso”, de modo que o não se torna a condição para que tal conteúdo seja expresso linguisticamente. Esse é o ponto que o remete a uma distinção já antiga que é a distinção entre “Eu-prazer” e “Eu-realidade”. Ela indica, para Freud, pelo menos no texto de 1925, que prevalece para o indivíduo, em suas primeiras relações com a realidade, o modelo da oralidade, de acordo com o qual o Eu quer tornar seu aquilo que lhe proporciona prazer e indicar como externo o que lhe causa desprazer[9]; o indivíduo toma para si o que lhe é agradável, reconhecendo tal coisa como constitutiva de si mesmo e projeta para fora o que lhe é desagradável, recusando que tal coisa lhe pertença. Freud escreve: “(...) o Eu-prazer originário quer introjetar em si todo o bom e pôr para fora todo o mau. O mau, aquilo que é estranho ao Eu e que se encontra fora, é inicialmente idêntico ao Eu.” (ib., p. 23, tradução modificada) Essa elaboração da constituição das relações entre o Eu e o mundo externo tem, no entanto, uma etapa ainda anterior, a qual carece de Eu e que conta apenas com o registro, no aparelho psíquico, de traços oriundos da percepção. Não havia Eu no momento inicial da vida em que a percepção antecede a representação. É, a meu ver, o que se depreende do seguinte trecho: “(...) todas as representações provêm de percepções, são repetições desta. Assim sendo, originariamente a existência da representação já é uma garantia de realidade do representado.” (ib., p. 25) Desse modo, nos momentos iniciais da vida há apenas traços sensoriais que se repetem sem ainda se referirem a nenhum tipo de oposição entre subjetivo e objetivo (ib., p. 25). Que essa oposição venha a se constituir para o sujeito, isso é algo que já depende de um certo funcionamento psíquico que trata de repetir na representação traços que originariamente foram sensoriais, repetição da qual o sujeito tem que se esforçar para se afastar, já que ela corresponde à alucinação. É por esse motivo que Freud afirma que, quando o indivíduo se confronta com a realidade buscando discernir se o que ele percebe é real ou apenas representado, trata-se aí para ele, não de encontrar um objeto, mas de reencontrá-lo (ib., p. 25).
É apenas nesse contexto que faz sentido, para Freud, pensar o que pode ser a origem do juízo. O ato de julgar consiste, antes de mais nada, em deliberar a respeito de duas coisas: 1- o objeto existe? 2- o objeto é bom, no sentido de ser capaz de proporcionar a satisfação pulsional? Ou seja, trata-se de formular um juízo de existência e um juízo de atribuição. Assim, a meu ver, somente após a constituição de um Eu será possível conceber a percepção como um processo ativo porque, no que diz respeito àquela percepção que antecede as próprias representações, não podemos concluir outra coisa a não ser que ela é concebida como algo passivo. De todo modo, para Freud, o juízo intelectual só se torna possível porque ele vem responder a um imperativo que se coloca para o organismo e que é o de lidar com os estímulos endógenos. Essa articulação entre juízo e pulsão é promovida por Freud de um modo que correlaciona a afirmação com as pulsões de vida e a negação com a pulsão de morte:
“O julgar é o prosseguimento coerente daquilo que originariamente é realizado pelo princípio do prazer: a inclusão no Eu ou a expulsão para fora dele. Sua polaridade parece corresponder à oposição existente entre os dois grupos de pulsões supostos por nós. A afirmação como substituto da união pertence a Eros; a negação, sucessora da expulsão, à pulsão de destruição.” (Ib., p. 27, tradução modificada[10])
O texto A negação exibe uma tal coerência com a extensão da metapsicologia freudiana, que, quando tomado nessa sua inserção, permite enxergar o caráter ingênuo mesmo dessa proposta de considerar a psicanálise como autorreflexão. O próprio instrumento da reflexão não resulta aí derrogado de uma pureza que permitisse esse all-in com as fichas da consciência?

Bombardeando ruínas?

Após subordinar a psicanálise à filosofia, catalisar uma polissemia escamoteadora do termo autorreflexão e negligenciar o fato de que Freud atribui uma origem pulsional ao juízo, a mesa está posta para, em nome deste, se colocar no horizonte a possibilidade real de uma organização social não repressiva que teria como correlato a eliminação do caráter bifásico da sexualidade humana (HABERMAS, 1968/2014, p. 349). 
A impossibilidade, para Freud, de pensar isso é colocada na obra O mal-estar na cultura. No final do quinto capítulo ele lança a ideia que será desenvolvida na última parte do livro:
“Se justificadamente objetamos, em nosso estado atual de civilização, que ele não preenche nossos requisitos de um sistema de viver que faça feliz, que admite muito sofrimento que se poderia provavelmente evitar; se, de modo implacavelmente crítico, buscamos expor as raízes de sua imperfeição, sem dúvida exercemos o nosso mero direito, não nos mostramos inimigos da cultura. É lícito esperar que pouco a pouco lhe introduziremos mudanças que satisfaçam melhor as nossas necessidades e escapem a essa crítica. Mas talvez nos familiarizemos igualmente com a ideia de que há dificuldades inerentes à cultura, que não cederão a tentativas de reforma.” (1930/2010, p. 83)
Essa irredutibilidade do mal-estar na cultura, embora seja dirigida, nesse momento do texto, ao que ele chama de “miséria psicológica da massa”, Freud irá diagnosticá-la, no andamento de sua argumentação, como uma realização, como um feito do sentimento de culpa. Este não é pensado como o resultado de uma repressão social, mas de uma renúncia pulsional concebida como consequência do fato de haver cultura. Uma vez que o indivíduo viva em cultura, terá que proceder a tal renúncia; renúncia a pulsões sexuais e a pulsões agressivas.
Mas, se isso não fosse suficiente para reconhecermos que, para Freud, um modo de vida social não repressivo está alijado da condição humana, poderíamos lembrar que essa ideia lança raízes também em outro lugar, que é a teoria da sexualidade. Como é bem sabido, Freud defende a existência de uma sexualidade infantil heterogênea com relação à sexualidade adulta. Ela é caracterizada, essencialmente, pelo autoerotismo e pela parcialidade perversa da pulsão, o que significa que ela é voltada para o prazer do órgão e não para a reprodução da espécie. Haveria, assim, uma condição bipartida da sexualidade humana, condição que seria herdada[11] pelo indivíduo. Três anos depois de publicar a primeira edição dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud traz à luz um texto chamado A moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo moderno (1908/2015).  Considero interessante cuidar um pouco desse texto por um momento porque ele parece fornecer muitas cartas para a argumentação de Habermas.
Nesse ensaio, Freud se dedica a pensar sobre o antagonismo entre cultura e indivíduo. Isso já aparecia em algumas observações pontuais, mas esse é o primeiro texto que ele dedica diretamente ao problema, que é aqui abordado de um ponto de vista sociológico (STRACHEY, 1969/1969, p. 186). Esse antagonismo aparece nesse momento subordinado a características que seriam contingentes: elas diriam respeito à moral cultural da época em que o autor viveu. O que Freud quer destacar é que o fato de uma sociedade ser intensamente repressiva produz consequências específicas do ponto de vista da neurose. A ideia de que uma sociedade pouco repressiva não torna o recalque desnecessário ainda não está, nesse momento, clara para Freud e, nesse texto, o que fica subentendido é que sociedades que pudessem ser assim caracterizadas corresponderiam a formas de vida mais desvencilhadas de neurose.
No entanto, o fato de Freud ter estipulado, nos Três ensaios..., que uma das fases do desenvolvimento sexual é o período de latência, já indicava, como aliás ele destacava nessa obra, a existência de uma relação inversa entre civilização e sexualidade (ib., p. 186). Como ela aparece aqui?
Freud afirma haver ali em sua época um crescente aumento da incidência do nervosismo que está relacionado com um certo desenvolvimento da moral sexual cultural que, por sua vez, resulta de uma evolução da cultura. Essa oposição entre indivíduo e cultura não é de um tipo estanque porque Freud vai mobilizar a ideia de que o próprio trabalho cultural guarda uma tendência a destruir a si mesmo. Ele escreve, nesse sentido:
“É plausível supor que, sob o domínio de uma moral sexual cultural, a saúde e a capacidade vital dos indivíduos estariam sujeitas a danos, e que essa injúria das pessoas, causadas pelos sacrifícios a elas impostos, alcançaria um grau tão elevado que, por essa via indireta, também o objetivo cultural estaria comprometido.” (FREUD, 1908/2015, p. 360)
Freud sustenta que a doença nervosa tem na sexualidade seu fator etiológico mais importante e é por isso que a cultura exerce uma influência danosa: ela atua como determinante de patologias ao reprimir o exercício da sexualidade. Isso lhe permite relacionar a existência da cultura a uma repressão [Unterdrückung] das pulsões.
Ora, não estaríamos lendo aí o Freud de Habermas?
Em certa medida, sim. Mas estamos em 1908 e a teoria freudiana da cultura que insere no esclarecimento os seus limites só será consolidada em O mal-estar na cultura, o que terá, como indicarei adiante, uma condição na teoria das pulsões. Não obstante, é preciso destacar aqui duas coisas. A primeira é que Freud defende que a sexualidade que se trata de reprimir para que seja alimentado o trabalho da cultura é a sexualidade perversa, aquela que prevaleceu na infância e da qual o sujeito teria que se afastar para se direcionar ao amor objetal; aquela que estará relacionada em alguma medida, a seu ver, à vergonha e ao asco e que só sobreviverá no ato sexual reprodutivo às custas de fragmentos. Diz Freud: “(...) as energias utilizáveis no trabalho da cultura são obtidas, em grande parte, pela repressão dos chamados elementos perversos da excitação sexual.” (ib., p. 370, grifo dele) A segunda observação importante é que Freud retoma o critério econômico e, ao fazer isso, expressa de outro modo a tensão da cultura consigo mesma ou o antagonismo entre cultura e saúde psíquica:
“A experiência ensina que há, ele escreve, para a maioria das pessoas, um limite, além do qual sua constituição não pode acompanhar as exigências da civilização. Todas as que querem ser mais nobres do que sua constituição lhes permite sucumbem à neurose; elas estariam melhores, se lhes fosse possível ser piores.” (Ib., pp. 373-4)
Assim, se a cultura exige que se pague o preço da neurose, isso acontece porque a neurose é o negativo da perversão; ou seja, porque a energia empregada no trabalho da cultura é a energia que o indivíduo recusa ao prazer perverso. Se essa exigência é inerente à cultura, então a questão de a sociedade europeia do início do século XX ser mais nervosa que as demais parece se reduzir a uma questão econômica.
Obviamente, todo um processo de desenvolvimento teórico tem lugar entre o texto de 1908 e o de 1930, mas é muito claro o papel que o segundo dualismo pulsional desempenha nisso. Não quero insinuar aqui que esse processo teórico mais amplo não exista. Mas essa passagem é sem dúvida marcada de modo especial por esta obra de 1920 que é Além do princípio do prazer. Com isso, quero dizer que o conceito de pulsão de morte é o conceito que desempenha um papel central no fato de Freud passar a assumir que o mal-estar é estruturante da cultura, e não uma prerrogativa do modo de vida europeu da transição do século XIX para o século XX. O argumento estruturante do texto de 1920 é o reconhecimento de fenômenos em que a tarefa de ligar a excitação psíquica prevalece sobre as tarefas de buscar evitar o desprazer e de alcançar o prazer. O enigma que Freud explora aqui pode, a meu ver, ser formulado assim: por que a energia do trauma não é ligada imediatamente? É preciso estipular uma força que responda por isso, uma força que atuaria, então, aquém do princípio do prazer, pois, se ela não existisse, a energia traumática se ligaria imediatamente. Assim, se uma pulsão corresponde a um impulso para a “restauração de um estado anterior” (FREUD, 1920/2010, p. 202), isso ocorre porque se trata aí de um estado em que essa energia que agora precisa ser ligada não estava presente no aparelho psíquico. Com o conceito de pulsão de morte, a concepção freudiana do adoecimento psíquico ganha, evidentemente, um alargamento e uma ancoragem tal nas condições de saída do aparelho, que de fato se torna difícil pensar, como lemos naquele trecho de O mal-estar..., que não haja, a seu ver, dificuldades a serem inscritas no cerne da cultura, dificuldades que ela não poderia eliminar sem deixar, no mesmo passo, de ser cultura.
Tendo em vista essas duas coisas – o recalque como destino herdado da espécie humana e o sentimento de culpa como algo estruturante da cultura que é alimentado pela pulsão de morte –, talvez seja seguro formular que Freud, ao contrário de Habermas, compreende a dominação como uma condição antropológica. Ao ignorá-las, o percurso estará arrematado para desconhecer o significado dos conceitos freudianos de pulsão e de pulsão de morte e, junto com eles, a perspectiva de localização de fenômenos tais como a melancolia e o masoquismo no cenário psicanalítico.
Resumindo um pouco este texto, a contribuição que eu gostaria de trazer para a discussão colocada por Prado Jr. a respeito do modo pelo qual Freud, afinal, desaparece na leitura que Habermas faz dele, residiria em destacar estas duas coisas interdependentes: 1- de um lado Habermas identifica com muita destreza um impasse no psicologismo freudiano ao elaborar sobre a psicanálise uma reflexão que se situa no nível da teoria do conhecimento; 2- mas, de outro lado, como o diagnóstico desse impasse não chega ao ponto de reconhecer o vínculo entre pulsão e juízo, passa-se ao largo da opacidade da pulsão, e, especificamente no que diz respeito à elaboração da teoria da cultura, passa-se ao largo da pulsão de morte, como algo que traz consigo esse impedimento à sobreposição de um projeto de autorreflexão ao projeto freudiano, como algo que aponta limites importantes para a tentativa de compreender a teoria psicanalítica exclusivamente como uma aposta lúcida do esclarecimento. A meu ver, isso nos permite avançar na compreensão dos motivos pelos quais esse evitamento do termo “pulsão”, que Prado Jr. marca de passagem, seria, na verdade, a raiz da ausência de Freud no Freud de Habermas. São caminhos que tentei desenvolver aqui na condição de argumentos que me parecem ser abertos, insinuados, convidados pelo ensaio de Bento Prado Jr. e pelo espírito com o qual ele lê Freud. Segui-los foi o modo que escolhi para prestar essa homenagem.
Bem ao final de sua vida, em Análise terminável e interminável, Freud faz uma referência ao momento da saga dos nibelungos em que Siegfried mata o gigante Fafner, o último dos dragões. Essa é uma imagem com a qual eu gostaria de encerrar esse artigo. A cena aparece de uma forma muito bonita no libreto de R. Wagner e que é mais ou menos a seguinte: “Muito ainda não sei; também, ainda não, quem sou. Para que eu lutasse até a morte contigo, tu mesmo convocaste a minha coragem.” (WAGNER, 1876/1960, p. 22) Siegfried, desconhecendo quem seja, encontra na provocação do dragão a coragem para matá-lo. Na verdade, esta bela imagem só opera aqui como uma espécie de meia-imagem porque, para Freud, isso não seria ainda suficiente para caracterizar essa tensão entre luz e sombras que insiste em seus textos e que teima nas formações do inconsciente. Porque, sendo a pulsão uma força constante, não é segura a aposta na possibilidade de eliminar os monstros, sejam eles da razão, do corpo, ou de alguma dimensão que exatamente não se sujeite a uma tal dicotomia. Freud escreve, assim, que talvez os dragões dos tempos primordiais não estejam realmente extintos (1937/2010, p. 232)[12]. O paradoxo de forçar a luz em seu limite é talvez que, em vez de apenas iluminar, isso parece nos obrigar a reconhecer dragõezinhos danados de resistentes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOUN, P.-L. Freud – A filosofia e os filósofos. (Trad.: H. Japiassu). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976/1978.
FREUD, S. (1908) A moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo moderno. In: Obras completas. Volume 8. (Trad. P. C. de Souza) São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
FREUD, S. As pulsões e seus destinos. (Trad. P. H. Tavares) Belo Horizonte: Autêntica Editora, 1915/2013.
FREUD, S. Além do princípio do prazer. In: Obras completas, volume 14. (Trad. P. C. de Souza) São Paulo: Companhia das Letras, 1920/2010.
FREUD, S. “As resistências à psicanálise”. In: Obras completas, volume 16. (Trad. P. C. de Souza). São Paulo: Companhia das Letras, 1925/2011.
FREUD, S. A negação. (Trad.: M. Carone). São Paulo: Cosac Naify, 1925/2014.
FREUD, S. O mal-estar na civilização. In: Obras completas, volume 18. (Trad. P. C. de Souza) São Paulo: Companhia das Letras, 1930/2010.
FREUD, S. Análisis terminable e interminable.  In: Obras completas. (Trad.: J. L. Etcheverry). Volume XXIII. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1937/2010.
HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. In: Técnica e ciência como ideologia. (Trad.: F. G. Silva) São Paulo: Unesp, 1963/2014.
HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. (Trad.: L. Repa). São Paulo: Unesp, 1968/2014.
PRADO Jr., B.Auto-reflexão ou interpretação sem sujeito?”. In: Alguns ensaios: filosofia, literatura e psicanálise (2ª ed., pp. 11-28). São Paulo: Paz e Terra, 1985/2000.
REPA, L. A transformação da filosofia em Jürgen Habermas: Os papéis de reconstrução, interpretação e crítica. São Paulo: Esfera pública, 2008.
REPA, L. Prefácio. In: HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. São Paulo: Unesp, 2014.
SAFATLE, V. Auto-reflexão ou repetição: Bento Prado Jr. e a crítica ao recurso frankfurtiano à psicanálise. In: Ágora. Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, 2004, pp. 279-292.
SAFATLE, V. Aquele que diz ‘não’: Sobre um modo peculiar de falar de si. In: FREUD, S. A negação. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
STRACHEY, J. Nota do editor inglês a “Moral sexual ‘civilizada1 e doença nervosa moderna”. In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Volume IX. Rio de Janeiro: Imago, 1969/1969. 
WAGNER, R. Siegfried – Original text and English translation. Nova York: G. Schirmer, 1876/1960.



AUTORA
*Léa Silveira é Professora de Filosofia da Universidade Federal de Lavras e doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. Membro do GT de Filosofia e Psicanálise da ANPOF desde sua fundação em 2002. Membro da Société Internationale de Psychanalyse et Philosophie (SIPP) e do Grupo de Pesquisa em Filosofia e Psicanálise, da Universidade Federal de São Carlos.





[1] Que emprego aqui para a tradução de Trieb.
[2] Por exemplo, na p. 372 da edição brasileira, que também opta por “pulsão” para verter Trieb.
[3] A meu ver, o fato de que o Eu possui, ele mesmo, processos inconscientes, não torna o argumento inválido.
[4] Prado Jr. sublinha a semelhança com a estratégia lacaniana, sem deixar de observar que a semelhança se interrompe aí.
[5] Ou seja: exatamente aquilo que o tratamento lacaniano da ideia de significante vai permitir compreender.
[6] Para compreender que tipo de tensão e de ambiguidade isso gera, conferir REPA, 2008, pp. 61-64. Grosso modo, por um lado, o interesse pela emancipação é derivado (isto é: não corresponde a um dos aspectos de nossa condição), mas, por outro lado, se ele é telos da ação comunicativa – já que toda e qualquer proposição o implicaria (HABERMAS, 1963/2014, p. 195) –, e se o status da linguagem é antropológico, então o status do interesse emancipatório não deveria ser, ele também, originário e invariante?
[7] A principal referência de Habermas aqui é E. Mach.
[8] No prefácio da edição brasileira de Conhecimento e interesse, Repa (2014, p. 17) escreve que a psicanálise surge “(...) como um modelo metodológico de Teoria Crítica porque ela faz um uso sistemático da autorreflexão, se supomos desde o início que a situação dialógica entre analista e analisando constitui o ponto de partida fundamental. Afinal, o que move o diálogo seriam a força e a necessidade de autorreflexão, o interesse por emancipar-se de uma série de ilusões sistemáticas que prendem o paciente em uma rede de deformações da linguagem, impedindo-o de conhecer a si mesmo e ao outro.”
[9] No texto sobre as pulsões, Freud (1915/2013) indica uma etapa anterior de oposição entre o que o Eu considera agradável e o que, para ele, é indiferente.
[10] Vemos no comentário de V. Safatle que se sucede à tradução de M. Carone para este texto de Freud, algo importante no sentido de limitar o esforço de compreender o transporte de conteúdos inconscientes para consciência como objetivo da clínica freudiana. O autor ali defende que as formas de realizar a negação, quando consideradas no contexto de uma subjetividade dividida, permitem entender “como podemos operar sínteses entre conteúdos mentais sem, necessariamente, definir tais sínteses como um processo englobante de conteúdos inconscientes em representações conscientes.” (SAFATLE, 2014, p. 36)
[11] Uma discussão importante aqui seria pensar em que medida a teoria do complexo de Édipo tornaria dispensável essa referência a uma condição herdada. Ela não parece suprimir totalmente, para Freud, no entanto, a questão da predisposição.
[12] A formulação é lembrada por Safatle (2004, p. 288).
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